Abatidos pelo descuido
Em algumas propagandas, o helicóptero parece uma solução mágica.
Voar é a maneira de escapar do trânsito caótico das grandes cidades e ganhar velocidade nos deslocamentos.
A vantagem pode ser ainda maior se a aeronave em questão tiver um preço parecido ou até inferior ao de um carro de luxo.
Apesar das inegáveis vantagens, o helicóptero cobra seu preço não só no bolso, mas também nos cuidados que cercam as viagens aéreas.
Além de uma manutenção em dia, a prevenção de problemas também exige planejamento antecipado, respeito aos limites do equipamento e uma rígida doutrina de segurança de voo.
Só em 2010, foram pelo menos 18 acidentes com helicópteros no Brasil.
O total repete os anos de 2006, 2007 e 2009, em que ocorreram os maiores números de acidentes na década.
Ou seja, mesmo que não aconteça mais nenhum acidente , será mantido em 2010 o nível mais alto registrado nos últimos dez anos.
Um exemplo desta situação está nas estatísticas.
Os helicópteros do fabricante norte-americano Robinson estão envolvidos na imensa maioria dos acidentes com este tipo de aeronave no País.
Em 2009, foram 9 de um total de 16, segundo dados da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), dos quais quatro com o modelo R22 (para duas pessoas) e cinco com o R44 (capacidade para quatro).
A perda de controle da aeronave e pousos bruscos e não controlados foram os principais registros iniciais.
Nos quatro casos envolvendo o R22, três eram de escolas e um de aeroclube.
Pelo levantamento do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), foram 8 de 15.
Até outubro de 2010, pelos dados da ANAC, responderam por 10 de 15 acidentes, sem contar os dois R22 de instrução que caíram durante a decolagem e em voo, em novembro,no Campo de Marte (SP) e em Goiânia, respectivamente.
Do total, nove foram com o R44.
As principais causas apontadas inicialmente são perda de controle e falha do motor.
Apesar dos números impressionantes, autoridades e especialistas entrevistados são unânimes em afirmar que o helicóptero, certificado para voar nos principais mercados, é seguro, desde que seja operado dentro de suas especificações.
A análise das investigações já concluídas pelo Cenipa, de acidentes envolvendo aeronaves Robinson, mostra que a maior parte deles aconteceu por conta de falhas dos pilotos, que cometeram erros na condução ou manutenção, operaram fora das características da aeronave ou ignoraram condições climáticas adversas.
O centro concluiu a investigação e publicou em seu site o resultado da apuração de oito acidentes com Robinson que ocorreram entre 2003 e 2010.
Em um dos casos, o Cenipa recomendou maior fiscalização contra o uso de aeronaves fora de suas Especificações Operativas e que contrariem a Categoria de Registro do Certificado de Aeronavegabilidade.
Em outros dois casos, foram propostas alterações em equipamentos da aeronave.
Em todos os casos, no entanto, os operadores foram notificados para aumentar cuidados com manutenção, condições climáticas e com o check-list.
Neste sentido, os helicópteros do fabricante norte-americano acabam tendo problemas que são consequência direta do que lhes tornou um sucesso comercial.
Hoje, segundo dados da ANAC, os modelos R22 e R44 somam 352 unidades de 1.325 helicópteros que estão registrados para operar no País.
Em número de operações, fizeram, até 16 de novembro de 2010, 40.864 das 199.658 decolagens, ou seja, 20,47% do total.
O principal atrativo dos modelos Robinson é o baixo custo de aquisição.
O crescimento do mercado de helicópteros no Brasil tem sido exponencial, notadamente nos últimos cinco anos. Em 2005, 27 novas aeronaves foram registradas no Brasil.
Entraram em operação 93 novas aeronaves em 2007,114 em 2008 e 143 em 2009
.
Guálter Pizzi, diretor comercial da Audi Helicópteros (representante da Robinson no Brasil), considera que a possibilidade de crescimento acelerado do mercado faz que não haja tempo para uma formação mais sólida de novos pilotos.
Ele também afirma que o uso da aeronave nas escolas de pilotagem, pelas próprias características da atividade, pode estar relacionado com o aumento do risco de acidentes.
Procurados, os proprietários de três escolas de pilotagem que usam o R22 não atenderam ao pedido de entrevista.
Proprietário da Edra Aeronáutica, que utiliza helicópteros da concorrente Schweizer, Rodrigo Scoda é piloto e engenheiro aeronáutico.
Para ele, a falta de preocupação de algumas escolas em preparar os pilotos em aspectos disciplinares e psicológicos acaba aumentando a possibilidade de acidentes.
"Não basta ser qualificado tecnicamente, o piloto precisa estar preparado para tomar decisões", afirma. Scoda destaca que, pelas próprias características da máquina, o Robinson é um helicóptero que dá pouca margem para eventuais falhas do piloto, diferentemente de outras aeronaves com mais tecnologia embarcada.
"Apesar do custo de compra ser maior, acabei optando por helicópteros Schweizer na escola, porque são aeronaves desenvolvidas especialmente para instrução", afirma.
Piloto de ensaio de helicópteros e especialista em segurança de voo, o coronel Nilton Cícero Alves acredita que o risco é ainda maior nos casos de pilotos-proprietários.
Ele explica que um aluno se forma e começa a voar em uma empresa, junto com pilotos mais experientes.
O proprietário muitas vezes sai da escola e assume o comando de uma aeronave sem a devida vivência. "Em muitos casos, ele mesmo não sabe que não tem o devido preparo para tomar as melhores decisões durante o voo."
O brigadeiro Pompeu Brasil, chefe do Cenipa, destaca que o Robinson, assim como as demais aeronaves certificadas, cumpre todas as normas de segurança exigidas no Brasil.
Além do uso em instrução e dos pilotos-proprietários, o militar lembra que o Robinson é usado muitas vezes por pequenos empresários, que contratam pilotos com menos experiência justamente porque pagam salários mais baixos. "Outra característica de sua atuação é o voo a baixa altitude, em especial sobre as cidades, que também aumenta a possibilidade de acidentes", afirma.
Ele lembra que os instrutores, por uma questão salarial e de plano de carreira, são geralmente jovens pilotos, que estão em início de carreira.
Para alertar os pilotos, a ANAC lançou em 2008 um guia de práticas para um voo seguro, produzido em parceria com o Cenipa e a Abraphe (Associação Brasileira dos Pilotos de Helicópteros).
A troca de experiências, a formação contínua, o conhecimento sobre os limites da aeronave e os cuidados com as condições meteorológicas e de manutenção da aeronave são alguns dos principais cuidados citados na publicação.
Carlos Eduardo Magalhães da Silveira Pellegrino, diretor de Operações de Aeronaves da ANAC, trabalha agora para que as escolas e os aeroclubes se preocupem cada vez mais em formar pilotos atentos às doutrinas de segurança.
"O ideal é que o profissional já saia da escola com os preceitos e os cuidados que são exigidos, por exemplo, por uma grande empresa que vai contratá-lo para operar em offshore (operação em plataformas em alto-mar)", afirma.
Segundo Pellegrino, é inevitável que os instrutores sejam jovens pilotos ainda em formação.
"Não é uma situação diferente do que acontece no mundo todo", comenta. Para ele, é importante que as escolas coloquem os alunos iniciantes para voar com instrutores mais experientes.
Na opinião dele, a maior preocupação com a formação disciplinar do profissional acaba compensando a inexperiência dos instrutores.
Ruy Flemming, diretor de Relações Públicas da Abraphe, destaca a importância da solidez destes princípios de segurança desde a instrução do piloto.
"É preciso formar um profissional que seja firme em suas decisões, para evitar que a pressão do dono da aeronave o faça decolar para um voo inseguro", afirma.
Ele lembra que a análise das condições climáticas e da aeronave é responsabilidade do comandante, que precisa impor os limites para um voo seguro.
Fonte:Revista Aeromagazine-por:Leonardo Fuhrmann
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