23/10/2010

A via-crúcis de quem viaja de avião

A via-crúcis de quem viaja de avião


"Cortei 50% das viagens a trabalho. Nossos aeroportos não oferecem nem cadeira nem ar-condicionado" - Sérgio Amado Presidente da Ogilvy Brasil - Foto: Rodrigo Paiva (RPCI/Ag.IstoÉ)

Os executivos brasileiros já não têm receio de voar. Têm medo de aeroportos.

O caos aéreo no País, com terminais superlotados e atrasos nas decolagens, causa prejuízos incalculáveis aos negócios

O empresário paulistano Carlos Bremer, sócio de uma das maiores consultorias de gestão do País, a Axia Value Chain, não é seguidor de filosofias orientais nem adepto de meditação ou ioga.

Nas últimas semanas, no entanto, ele tem diariamente se esforçado, entre uma viagem e outra, a cultivar a paciência dentro dos aeroportos brasileiros.

O mantra, segundo ele, não surgiu por opção, mas por necessidade. Quase por trauma.

No início do mês, Bremer partiu do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, rumo à cidade catarinense de Joinville.

A intenção era se encontrar com um potencial grande cliente.

A viagem aérea de apenas 520 quilômetros, que levaria pouco mais de cinco horas se fosse feita de carro, demorou oito horas até o destino final.

Depois de esperar duas horas para decolar em São Paulo, foi obrigado a desembarcar em Curitiba porque o terminal aéreo de Navegantes, onde a aeronave deveria ter aterrissado, não estava em operação.

Da capital paranaense, ele teve de tomar um táxi para chegar a tempo à reunião.

Na estrada, o tombamento de um caminhão bloqueou o acesso. Como era região de serra, o celular estava sem sinal e não pôde avisar que não cumpriria o horário combinado.

Após encontrar uma alternativa, chegou ao encontro com duas horas de atraso. Era tarde demais. O presidente da empresa já havia partido para outro compromisso.

“Sufoco! Viajar virou sinônimo de problema. E, no mundo dos negócios, esse problema tem se traduzido em prejuízos.”

O drama vivido por Bremer se tornou rotina na vida de empresários e executivos no País.

Mas não precisaria ser assim.

Um estudo da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) constatou que a falta de planejamento da malha aérea causa um aumento médio de 27% no trajeto dos voos domésticos – em 2009, cada passageiro percorreu 995 quilômetros por viagem, em um percurso que seria de 788 quilômetros se fossem reduzidas as conexões.

Atualmente, quem sai de São Paulo com destino às maiores capitais do Norte e do Nordeste precisa parar no sobrecarregado Aeroporto de Brasília, eleito pela Forbes o pior do mundo.

No ano passado, segundo a revista, apenas 27% dos voos saíram na hora prevista, e o restante com atraso médio de 52 minutos. Nesse ranking aparece ainda Cumbica (3º) e Congonhas (4º), em uma lista com 160 aeroportos.

Essa situação vexatória e que, sob a ótica dos negócios beira o caos, obrigou o presidente da agência de publicidade Ogilvy, Sérgio Amado, a tomar uma medida extrema: reduzir pela metade suas viagens a negócios.


Na semana passada, ele promoveu uma reunião com parceiros internacionais por vídeoconferência para evitar a maratona de conexões, embarques e desembarques.

“Os aeroportos brasileiros estão no limite, e isso gera muitos problemas para quem precisa viajar a trabalho.Só entro em algum aeroporto se for muito necessário”, desabafou o executivo.

Os problemas vão além das filas nos check-ins, dos atrasos nas decolagens ou na confusão das esteiras de bagagens.

“Nossos aeroportos não têm ar-condicionado, os funcionários são despreparados e não há sequer assentos para a quantidade de passageiros em espera. Ver pessoas sentadas no chão é uma cena comum”, afirmou.

Para não sentar no chão nem enfrentar filas e atrasos, Wanderson Castilho, presidente da E-Net Security, consultoria especializada em fraudes na internet, tirou o carro da garagem. Mesmo enfrentando o cansaço de horas ao volante, Castilho afirma que pegar a estrada pode valer a pena.

“A agilidade, principal vantagem do avião, deixou de existir. Antes eu saía do escritório duas horas antes da viagem, aumentei para três ou quatro horas para evitar perder as reuniões. Mesmo assim, com aeroportos abarrotados, perdia. Agora, se posso, vou de carro.”

A superlotação dos aeroportos, que cada vez mais se parecem com rodoviárias em organização, é facilmente explicada nos indicadores que mostram o crescimento do tráfego aéreo no País.
Entre 2003 e 2010, o número de passageiros dobrou sem que houvesse investimentos na ampliação dos terminais. Segundo a Infraero, em 2003 pouco mais de 71,2 milhões de pessoas chegaram ou saíram dos aeroportos brasileiros – em voos nacionais e internacionais –, enquanto em 2010 este número atingirá 141,3 milhões de passageiros.

“Poucos setores da infraestrutura nacional foram tão negligenciados nos últimos anos como o transporte aéreo. A situação está muito próxima do colapso”, afirmou o consultor Alexandre Gaidargi, especialista em aviação comercial na América Latina.

O alerta de colapso disparado pelo consultor Gaidargi já não desperta a atenção da empresária Carla Renata Sarni, presidente da rede odontológica Sorridents, com 160 unidades pelo País em 12 Estados.

Sem muita alternativa para cumprir a agenda de visitas, reuniões, palestras e congressos, ela adotou o helicóptero para se deslocar entre trabalho e aeroporto, aeroporto e reunião.

“Muitas vezes, preciso estar em três cidades diferentes no mesmo dia. Como não tenho como escapar dos problemas dos aeroportos, me desloco de helicóptero dentro das cidades para conseguir cumprir meus horários”, garantiu a empresária.

O diretor-executivo da rede Unique Garden Spa & Resort, Roberto Nogueira, também traçou uma estratégia de guerra para driblar o caos aéreo e criou uma cartilha de viagens.

Entre os mandamentos está levar apenas mala de mão, nunca embarcar em horários de pico ou chegar à noite em capitais violentas e antecipar em um dia o voo de ida.

“Durante muito tempo, tive pavor de avião. Agora, tenho medo é de aeroporto”, disse o executivo.

Fonte: Hugo Cilo/Estadão-via:Desastres Aereos News

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