Iémen, a margem de manobra para intervenção externa |
Uma vez identificada a ligação do atentado terrorista de 25 Dezembro no voo 283 da Northwest Airlines com o Iémen, como local onde o nigeriano Umar Farouk Abdulmutallab foi treinado, não se estranharia que os EUA retaliassem com uma acção militar contra os campos de treino que a al Qaeda instalou nesse país.
Era, aliás, o que queriam alguns líderes do Congresso, o que alguns analistas militares recomendavam e foi também o que fizeram, em condições semelhantes, alguns dos predecessores do Presidente Obama.
Por exemplo, Reagan em 1986 (retaliação contra a Líbia por alegado envolvimento num atentado numa discoteca em Berlim), Clinton em 1993 (ataque com 23 mísseis contra o quartel-general dos serviços de intelligence iraquianos, na sequência de uma tentativa de assassinato do presidente Bush pai durante uma visita ao Kuwait), Clinton, de novo, em 1998 (13 mísseis contra uma fábrica de produtos farmacêuticos no Sudão e cerca de 60 mísseis contra campos de treino da al Qaeda no Afeganistão, na sequência dos atentados contra as embaixadas americanas na Tanzânia e no Quénia), Bush, em 2002 (um ataque no Iémen, que matou o líder local da al Qaeda, com o emprego de veículos aéreos não tripulados , Predator , depois de identificadas ligações entre os alvos atingidos e o ataque anterior, em 2000, contra o USS Cole, que matou 17 marinheiros), etc.
Obama, pelo menos para já, não parece querer seguir a mesma linha de acção.
Faz sentido por isso, rever os factores de ponderação que este tipo de decisão obriga a ter em consideração.
Não obstante, a concordância geral de que uma ação militar é uma opção que não deve deixar de ser considerada, a análise dos resultados alcançados nos casos atrás referidos, não obstante um ou outro sucesso, não revelou a eficácia que seria de esperar, nem muito menos tem tido o efeito de dissuasão que levaria as organizações terroristas a desistir da continuação dos ataques.
Em alguns casos, o feito produzido foi exatamente o contrário; a intervenção ordenada por Reagan levou o coronel Gaddafi a incrementar o seu apoio ao terrorismo internacional (Pan Am Flight 103 sobre a Escócia, que matou 270 pessoas) e os ataques ordenados por Clinton também não conseguiram ter qualquer efeito dissuasor sobre a al Qaeda e especialmente Bin Laden que lhes sobreviveu e reforçou a campanha contra os EUA.
Em qualquer caso, como facilmente se compreende, o assunto não pode ser encarado apenas sob uma perspectiva militar.
Na realidade, insere-se no campo bem mais vasto das ameaças resultantes de áreas sem controlo governamental, que hoje é já considerada uma preocupação central da administração americana e um tópico a merecer crescente atenção da parte de todas as democracias em geral.
Depois da CIA ter identificado 50 zonas sem controlo que facilmente se poderiam tornar santuários de organizações terroristas, o Pentágono lançou um projecto específico para estas situações (Ungoverned Areas Project) com instruções para os diversos comandos desenvolverem capacidades de apoio a estados frágeis no controlo das suas fronteiras e territórios.
Obviamente, o problema é muito mais complexo do que esta brevíssima síntese pode dar a entender, principalmente porque a criação de santuários não se faz apenas a partir de áreas sem governo; precisa do apoio ou pelo da aquiescência dos líderes locais ou da população, preferentemente da sua afinidade para com a causa.
O caso do Iémen é precisamente um bom exemplo desta combinação de fatores, um estado que não consegue controlar o território e uma população com claras simpatias com os propósitos da al Qaeda.
Como tencionam os EUA responder a estas ameaças em territórios como o do Iémen, ou outros com condições semelhantes? Aparentemente, a linha de acção adoptada procura ter em conta as seguintes duas prioridades: “trabalhar” a solidariedade que os grupos terroristas usufruem nas sociedades em que estão inseridos (procurando desfazer os laços criados) e encorajar os governos a melhorar a assistência local, principalmente aonde têm apenas uma presença marginal ou mesmo nenhuma presença.
O objectivo é conseguir encorajar os moderados a combater os não moderados, sob a ideia de que tratando-se uma ameaça com uma natureza muçulmana, a única medida que poderá resultar é tornar os muçulmanos a primeira linha de defesa contra o terrorismo.
Há duas dificuldades principais na concretização desta estratégia: primeira, o tratar-se de um processo a longo prazo e as urgências da situação no terreno poderem exigir medidas imediatas que dificilmente se enquadrarão nas outras (que é o dilema em que Obama se encontra); segunda, o sucesso depende sobretudo da vontade e capacidade do governo local, frequentemente encurralado entre a necessidade de aceitar colaboração externa e o imperativo político interno de não mostrar nem dependência nem subserviência quanto a objectivos estabelecidos de fora.
Obama, para já, não tem outra possibilidade senão confiar nas promessas do Presidente Saleh em combater todos aqueles que não renunciem ao terrorismo, ajudando-o a concretizar a sua política.
No entanto, Obama nada pode dar por garantido da parte de um homem que se conserva no poder há 30 anos, graças à compra de lealdades e da manutenção de equilíbrios precários de poder, tribais e regionais, e cuja vontade de actuar se limita ao necessário para tirar o seu governo da zona de perigo em que inevitavelmente cairá se não corresponder às pressões externas.
Saleh mostra-se confiante nos programas de reabilitação de antigos terroristas e na manutenção de um diálogo com as estruturas locais da al Qaeda mas não consegue mostrar resultados práticos consistentes que consigam desfazer o cepticismo com que a administração americana avalia essa política e que já levou a suspender o repatriamento de alguns prisioneiros de Guantánamo (90 entre os 198 que ainda se encontram detidos são do Iémen e, entre eles, 40 poderiam ser libertados a curto prazo).
Vários dos que foram libertados anteriormente restabeleceram ligações com a al Qaeda e encontram-se de novo activos.
Mal grado a administração americana ter procurado deixar claro que não haverá envolvimento militar no Iémen (apenas ao nível de aconselhamento e treino de unidades anti-terrorismo, quando muito, acções encobertas das forças de operações especiais) há alterações a fazer no campo dos programas de cooperação e ajuda que precisam de ser claramente aumentados (neste momento, a ajuda é igual à dada à Sérvia).
É disso que depende o sucesso da estratégia que os EUA estão a tentar concretizar e à qual se tornará indispensável juntar os esforços da comunidade internacional.
É desse estímulo que depende também a vontade do governo do Iémen em usar activamente as suas forças de segurança no combate à célula local da al Qaeda, como foi feito na semana passada com um sucesso que não deve deixar de ser referido (algumas dezenas de baixas entre combatentes da al Qaeda numa ofensiva governamental que matou também Abdullah al-Mihzhar, um dos líderes locais).
Mas o espaço de manobra para intervenção é reduzido. Aliás, ainda se tornou mais estreito com a recente promulgação de um novo pronunciamento legal religioso (fatwa) que torna obrigatória a jihad em caso de intervenção militar externa ou de qualquer acordo de segurança ou de cooperação que viole a Sharia islâmica.
O Presidente Obama já se referia a este assunto durante a campanha presidencial: «impoverished, weak, and ungoverned states have become the most fertile breeding grounds for transnational threats” (in “Are ungoverned spaces a threat?”, Stewart M. Patrick).
Como se explicou em artigo neste mesmo site com data de oito de Janeiro, “Iémen, nova frente contra o terrorismo?”.
Michael Waltzer resume a situação no Iémen do seguinte modo: «It isn’t a war zone, but it also isn’t a zone of peace. In large sections of Yemen, the government’s writ doesn’t run; there are no police who could make the arrests (14 soldiers had already been killed in attempts to capture the Al Qaeda militants) and no courts in which prisoners could expect a fair trial.» (“Thinking Politically, Essays in Political Theory”).
A fatwa foi promulgada pelo sheique Abdul Majeed al-Zindani, uma respeitada figura política e religiosa do Iémen mas que os EUA consideram um terrorista global e mentor espiritual de Bin Laden.
O decreto religioso foi também subscrito por 150 religiosos e, muito provavelmente, acordado previamente com o Presidente Saleh. Um claro aviso aos EUA.
Fonte:jornaldefesa/por:Alexandre Reis Rodrigues
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