Às voltas com tráfico de drogas e um grupo extremista de esquerda, os paraguaios pedem ajuda ao Brasil para pacificar o país
É difícil perceber onde termina Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, no Brasil, e onde começa Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Praças mal sinalizadas e carros se cruzando a toda hora pela avenida que liga as duas cidades fazem parecer um só lugar, um só país. Essa impressão nunca foi tão forte como na semana passada.
Um atentado contra o senador paraguaio Robert Acevedo pôs brasileiros e paraguaios igualmente à mercê da violência do narcotráfico.
Há fortes indícios da participação de integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa de São Paulo, na emboscada que resultou na morte de dois assessores do senador, que ficou ferido. Não é apenas um caso de polícia: o futuro da região dependerá do que os dois países fizerem juntos para combater o problema.
Diante do agravamento da insegurança dos dois lados da fronteira, ficou em segundo plano o debate sobre revisão tarifária da usina energética binacional de Itaipu, motivo original do encontro presidencial previsto para esta segunda-feira na fronteira.
O paraguaio Fernando Lugo vai pedir a Lula mais atenção ao vizinho e ajuda no combate à criminalidade. O Paraguai dispõe de pouquíssimo dinheiro para isso.
Um discreto aceno positivo de Lula daria a Lugo força para amenizar o momento político de grande instabilidade.
Boa parte da turbulência se deve a um grupo extremista de esquerda denominado Exército do Povo Paraguaio (EPP), acusado de sequestrar e matar quatro pessoas no interior do país, há duas semanas. Não há ainda provas contundentes de que os guerrilheiros do EPP estejam por trás do atentado contra Acevedo.
Autoridades dos dois países, porém, vinculam o grupo a sequestros de várias figuras públicas do Paraguai desde o início dos anos 2000, alguns deles em associação com membros do PCC.
Embora pequeno estimado em não mais de 100 integrantes e ainda restrito a áreas rurais do país, o EPP pôs o governo de Lugo em xeque.
Como resposta às críticas, Lugo conseguiu aprovar no Congresso a decretação de estado de exceção em cinco departamentos: Concepción, Amambay, San Pedro, Presidente Hayes e Alto Paraguay (leia o quadro na próx. página).
Os três primeiros são considerados os de maior presença do EPP. O governo justificou a medida como forma de permitir às Forças Armadas buscar e prender os responsáveis pelos assassinatos nas áreas mais conturbadas do Paraguai sem a necessidade de mandados judiciais.
Especialistas dizem que o gesto de Lugo foi compreensível em virtude da comoção provocada pelas mortes atribuídas à guerrilha.
Outra razão para a elevação do tom é a proximidade do EPP com integrantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
O governo paraguaio detém informações de que os colombianos transmitem técnicas de guerrilha ao EPP, bem como os ensinam a realizar roubos e sequestros a fim de angariar recursos para as causas políticas.
É o mesmo modo de operação das Farc. Daí é possível presumir que o EPP esteja enveredando para o tráfico de drogas, afirma uma autoridade do serviço de inteligência do Paraguai.
A polícia paraguaia diz que parte do dinheiro obtido pelo EPP com sequestros estimado em US$ 5 milhões desde o início dessas ações vai para as Farc, e a intermediação seria feita por integrantes da guerrilha no Brasil.
É essa a acusação contra os paraguaios Anuncio Martí, Juan Arrom e Victor Colmán, supostos líderes do EPP que obtiveram refúgio político no Brasil no fim de 2003.
O governo paraguaio foi às Nações Unidas na semana passada para pressionar o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) a rever sua posição, alegando que o trio tem vínculos com as Farc e se envolveu em pelo menos um sequestro. Mas Brasília dificilmente vai mudar de ideia.
Não há prova cabal desse envolvimento (dos refugiados) nas informações enviadas ao Brasil, diz Renato Zerbini, coordenador do Conare. ÉPOCA teve acesso ao relatório encaminhado pelo Paraguai com supostas provas contra Martí, Arrom e Colmán.
Há muitos recortes de jornais e até algumas folhas sem timbre, detalhes que podem pesar negativamente na análise do comitê.
No esforço de encontrar os guerrilheiros, o governo distribuiu pelo interior do Paraguai painéis com as fotos daqueles tidos como os chefes do EPP.
Mas a grande dificuldade de Lugo para combatê-los, na verdade, é renegar o passado, quando esteve junto com representantes do EPP em movimentos de camponeses no departamento de San Pedro. Para os simpatizantes do grupo, Lugo tornou-se um traidor.
O estabelecimento do estado de exceção se justifica? Até agora, pelo menos, não.
A atuação das Forças Armadas esteve longe de produzir boas notícias.
Para o promotor de justiça Julián Rodríguez, especializado em investigar o narcotráfico no norte do país, a medida é um atestado do fracasso das políticas rotineiras: Como é possível garantir que o estado de exceção vai funcionar se, em condições normais, quase nada funciona?.
No departamento de Amambay, a presença dos soldados é inconstante e desordenada.
Na semana passada, nas ruas de Pedro Juan Caballero, só era possível avistar patrulhas esparsas do Exército.
Barracas apinhadas de produtos falsificados e a diminuição do faturamento do comércio por conta do receio dos turistas brasileiros em cruzar a fronteira são as marcas mais visíveis do estado de exceção.
Dependente do turismo de compras, a população de Pedro Juan Caballero está incomodada. Acredita que o governo esteja tentando forçar uma ligação entre o EPP, mais atuante em San Pedro e Concepción, e os traficantes do PCC, concentrados na fronteira.
O atentado ao senador Acevedo trouxe à tona um problema mal dimensionado pelo governo brasileiro. Ex-governador de Amambay, Acevedo denuncia há quase dez anos a presença de organizações criminosas brasileiras na região.
Depois de sair do hospital, no dia 28, ele recebeu ÉPOCA em sua casa. Disse que, apesar de quase ter morrido, continuará apontando as ramificações do crime. Não posso deixar brecha para o narcotráfico. Tenho medo em razão da minha família. Mas não é possível desistir agora, afirma.
Dono de uma rádio e de postos de gasolina na região, Acevedo costumava desafiar os traficantes em entrevistas.
Ainda quando governador, chegou a dar um safanão em um traficante que fora preso.
Conta que a introdução das organizações criminosas em Amambay começou com a chegada de Fernandinho Beira-Mar, líder da facção carioca Comando Vermelho, a Capitán Bado, cidade a 150 quilômetros de Pedro Juan Caballero e também uma importante rota do tráfico de drogas na região.
Com a prisão de Beira-Mar no começo da década, parte do esquema do Comando Vermelho foi desmantelada, o que abriu brecha para o PCC. O tráfico na fronteira é tão lucrativo que é comum grupos rivais se engalfinharem pelo controle da região.
Observamos alguns embates entre o CV e o PCC. A briga transcendeu o território brasileiro e chegou ao Paraguai, afirma o promotor Rodríguez. Mas hoje não tenho dúvida em afirmar que o PCC comanda o tráfico de drogas no Paraguai. Para o juiz federal brasileiro Odilon de Oliveira, que decretou a prisão de mais de 100 traficantes quando atuou em Ponta Porã, a presença do PCC na região se explica por alguns motivos. O primordial é servir de esconderijo para membros fugitivos do Brasil.
Lá, eles contam com facilidade maior na aquisição de drogas e armas e dispõem de melhor ligação com as Farc, de quem o PCC é cliente na aquisição de cocaína, diz Oliveira.
Combater o tráfico de drogas na região requer esforço demais para uma estrutura atrofiada. A Secretaria Nacional Anti-drogas paraguaia tem apenas dez homens para tomar conta de três departamentos.
Os baixos salários são a porta para a corrupção na polícia local. Um oficial em começo de carreira ganha menos que o equivalente a R$ 1.000 por mês. No final de carreira, o salário não passa de R$ 2 mil. Em Pedro Juan Caballero, as pessoas sabem que há policiais a serviço do PCC: deixam de fiscalizar ou até mesmo contribuem decisivamente para o tráfico.
A PF deve usar uma aeronave não tripulada para monitorar plantações de maconha no Paraguai
Outro problema é a falta de controle do espaço aéreo do Paraguai. Acredita-se que boa parte da cocaína e do crack provenientes da Bolívia e da Colômbia chegue ao Paraguai por avião. Sem equipamento de detecção, o governo não coíbe os voos irregulares. Nem a prisão de importantes traficantes, como Carlos Caballero, o Capillo, suposto chefe do PCC no Paraguai, tem sido suficiente. Ele dá ordens para ajudantes de dentro da penitenciária, em Assunção, afirma Nelson Lopez, chefe da Senad em Pedro Juan Caballero.
Uma autoridade paraguaia diz que faz falta um maior apoio do Brasil no combate ao narcotráfico. Afirmou haver ofertas de parcerias dos Estados Unidos e da Colômbia. Está em estudo, no Congresso brasileiro, a doação de três aeronaves da Embraer para que o Paraguai possa combater o narcotráfico. Neste mês, a Polícia Federal deve usar um veículo aéreo não tripulado (Vant), capaz de realizar mapeamento do solo e identificar áreas de plantio de maconha. A PF já ajudou o Paraguai concretamente em dezembro, nas investigações para desbaratar o sequestro de Fidel Zavala. Foram enviados cinco policiais e três técnicos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para a região, com a missão de identificar a origem do rádio que fazia as comunicações com a família. Um mês depois, o cativeiro foi encontrado.
O presidente Lula terá dado uma grande contribuição para a região se, no fim do mandato, ajudar a desmantelar o narcotráfico. Lugo espera mais que qualquer um por esses bons ventos. Pode valer até sua permanência na Presidência do Paraguai.
Brasil minimiza elo do EPP no caso de senador baleado
Lula é informado que autoria do atentado no paraguai é de criminosos ligados ao narcotráfico Brasileiro, que se encontra hoje com colega paraguaio na fronteira, deve anunciar ajuda econômica, política e policial ao país vizinho
ELIANE CANTANHÊDE
Os relatórios da inteligência brasileira quase descartam que a autoria do ataque ao senador Robert Acevedo no paraguai, no qual morreram seu motorista e seu segurança, tenha sido do EPP (Exército do Povo paraguaio), descrito como um grupo pequeno -no máximo cem pessoas-, cujas ações estariam restritas a sequestros, não chegando a assassinatos.
Pelas informações que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e da PF (Polícia Federal), o atentado foi promovido por criminosos comuns, ligados ao narcotráfico dos dois países e interessados em desestabilizar o governo Fernando Lugo.
Entre os suspeitos, há quatro brasileiros, supostamente membros do PCC (Primeiro Comando da Capital), que estão presos no paraguai.
Lula e Lugo se encontram hoje no olho do furacão: na fronteira dos dois países, entre Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, e Pedro Juan Caballero. O prefeito da cidade paraguaia é irmão do senador baleado.
A maior preocupação do Planalto e do Itamaraty não é com o EPP -cuja atuação motivou o estado de exceção decretado no país vizinho no último dia 24.
A avaliação é que não há provas de relações financeiras e operacionais entre essa organização paraguaia e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O que há, até agora, são trocas de e-mails classificados como “de simpatia, praticamente sociais” entre militantes dos dois grupos.
Esses e-mails constam da documentação levantada pelos órgãos de segurança colombianos a partir dos computadores do líder das Farc, Raul Reyes, morto pelo Exército da Colômbia em solo equatoriano.
Para o governo brasileiro, a importância desse material é muito relativa e, além disso, não há ali nenhuma prova concreta da conexão Farc-EPP. Lula, que atua sistematicamente a favor dos governos da região e contra as crises políticas do Cone Sul, quer oferecer dois tipos de ajuda a Lugo -que é considerado pelo governo brasileiro uma esperança positiva para o paraguai, mas que enfrenta sérios problemas de governabilidade.
A primeira é econômica, para a construção de uma linha de transmissão de energia entre a hidrelétrica de Itaipu e Assunção. A outra, política e policial, de reforço na fronteira, para evitar que o dinheiro do tráfico circule livremente na região.
Mas ele viaja disposto a não atender um pedido que certamente ouvirá: a revisão do refúgio que o Brasil deu aos paraguaios Victor Colmán, Juan Arrom e Anúncio Martí, que o paraguai acusa de serem do EPP e responsáveis por sequestros lá.
Lula e Lugo se encontram sob forte esquema militar
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, receberá nesta segunda-feira em Ponta Porã (MS), na fronteira com Pedro Juan Caballero, o presidente paraguaio, Fernando Lugo. A pauta do encontro abrange desde acordos energéticos de Itaipu até a violência na região da fronteira.
O encontro privado está previsto para começar por volta das 10h desta segunda nas proximidades da cidade paraguaia de Pedro Juan Caballero, capital do departamento (Estado) de Amambay, onde na semana passada o senador Robert Acevedo sofreu um atentado. Quatro brasileiros foram detidos sob suspeita de terem disparado mais de 40 tiros contra o parlamentar durante a ação, na qual morreram duas pessoas.
O porta-voz da Presidência brasileira, Marcelo Baumbach, disse que Lula pretende mostrar a Lugo sua solidariedade e oferecer toda a cooperação possível, embora tenha esclarecido que para o Brasil essa situação é de “natureza interna” do Paraguai.
Estado de exceção
Pedro Juan Caballero é capital do departamento (Estado) paraguaio de Amambay, uma das cinco regiões do país em que rege o estado de exceção decretado pelo governo Lugo para conter uma onda de violência atribuída à guerrilha do chamado Exército do Povo Paraguaio (EPP).
Segundo a Promotoria paraguaia, o EPP é um grupo desprendido do Partido Pátria Livre (PPL) e poderia ter relações até com o Primeiro Comando da Capital (PCC), controlado por presos em São Paulo.
Itaipu
Na reunião desta segunda, Lula e Lugo também farão uma avaliação dos acordos alcançados em 25 de julho de 2009 dentro das negociações sobre a divisão de energia da hidroelétrica de Itaipu, de propriedade compartilhada pelos dois países.
O porta-voz de Lula antecipou que um dos assuntos que serão colocados será a oferta brasileira de construir uma linha de transmissão de 500 quilowatts entre Itaipu e Assunção.
O preço da obra tinha sido fixado inicialmente em US$ 250 milhões, que seriam financiados totalmente pelo Brasil.
Baumbach disse que agora se pretende que as obras, cujo custo situou entre US$ 350 e 400 milhões, sejam financiadas pelo Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), bloco que ambos os países integram junto com Argentina e Uruguai.
Isso significa que o projeto precisa ser aprovado pelos quatro países, embora, segundo disseram fontes oficiais, o Brasil poderia facilitar o trâmite e apresentar a maioria ou até o total do dinheiro, através de contribuições especiais do Focem.
O chanceler paraguaio, Héctor Lacognata, disse desconhecer a proposta brasileira de mudar o modo de financiamento da obra, mas assegurou que a construção da linha de transmissão começará em breve. Lacognata também reiterou a confiança do governo paraguaio de que o Brasil vai honrar o compromisso de 25 de julho.
Fonte: Plano Brasil EFE/ Correio Braziliense via NOTIMP/Época via NOTIMP
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