Modelo da Azul é semelhante ao da TAM
[foto:Jetphotos.net - por:Alvaro H. Martins]
Por Graziella Valenti e João José Oliveira | De São Paulo
A caixa de pandora da separação entre direitos políticos e econômicos no capital das companhias, em que a Azul pretende mexer ao listar suas ações na BM&FBovespa, já foi na verdade aberta. Muito discretamente - e por outros caminhos - quem inaugurou esse formato foi outra empresa de aviação civil, a TAM.
Em 2010, quando anunciou a sociedade com a chilena LAN, e a criação da Latam, a TAM valeu-se de uma saída semelhante, mas permitida só no Chile: separou o voto dos direitos econômicos. É algo de efeito prático muito parecido à superpreferencial que a Azul quer adotar na bolsa.
Como a estrutura proposta pela Azul ainda não havia sido testada no Brasil, a solução da TAM foi levar o controle societário, mesmo detido por brasileiros, para o Chile - país da LAN. Lá a legislação aceita separar quase integralmente os direitos políticos e os econômicos sobre uma sociedade.
O controle da TAM detido pela família Amaro é exercido por meio de dois veículos de investimento chilenos, TEP Chile e Holdco1.
Com isso, a família manteve os 80% do capital votante da TAM, que continua existindo como subsidiária da Latam, no Brasil. Esse percentual atende à exigência da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), da fatia nas mãos de cidadãos brasileiros.
A despeito de a família Amaro ter o poder político da TAM, todo seu valor econômico está nas ações preferenciais, detidas pela Latam (junto com os demais 20% do capital votante).
A família Amaro tem 13,4% da Latam e, com isso, procurou alinhar seus interesses econômicos ao de toda a sociedade.
A informação da separação dos direitos políticos e econômicos da TAM consta do documento que a Latam entrega anualmente à comissão de valores americana, a SEC, chamado 20F. A explicação está na página 17 do formulário. Consultada, a companhia optou por comentar o assunto.
O caminho escolhido pela TAM, de buscar uma legislação fora para suas necessidades - é a alternativa que a Azul tem caso não consiga abrir capital no Brasil.
A Azul pediu o registro para sua oferta inicial de ações à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 24 de maio. Um mês depois, a autarquia enviou questionamentos à aérea sobre sua estrutura de capital.
Segundo dados no site da autarquia, a Azul ainda não respondeu ao regulador. O plano da empresa é uma oferta de R$ 1 bilhão.
Como a Lei das Sociedades por Ações do Brasil não permite nem a atribuição de mais do que um voto por ação nem a emissão de preferenciais acima do limite de 50% do capital total, a Azul propôs uma alternativa.
A empresa quer captar com uma superpreferencial, que equivale a 75 ordinárias no direito sobre os dividendos e sobre qualquer oferta de compra de controle (tag along) e ainda em caso de liquidação da companhia.
A estrutura foi aceita pelos sócios capitalistas de David Neeleman, o idealizador e controlador da mais nova concorrente de TAM e Gol.
Agora, com a intenção de listar ações na bolsa, a CVM avalia se o modelo não desrespeita o limite legal das preferencialistas de 50% do capital social. Trata-se de uma decisão capaz de afetar todo o mercado de capitais nacional.
O modelo sugerido pela Azul permite uma flexibilidade quase tão grande como a da legislação chilena. Com essa superpreferencial, Neeleman e as famílias Chieppe e Caprioli - antigos donos da Trip - conseguem alavancar o controle até que sua atual posição em ordinárias represente apenas 1,3% do valor econômico da Azul.
Para alinhar os objetivos deles com o restante da empresa, e para garantir seu retorno financeiro, esses acionistas também possuem preferenciais. Neeleman tem hoje 5% desses papéis, enquanto os Chieppe e os Caprioli têm 14,3% e 12,2%. Tais posições serão diluídas com a emissão de novas preferenciais para oferta de ações, que será essencialmente para levantar recursos novos.
No caso da TAM, o alinhamento econômico da família Amaro se dá pela participação que possui na Latam.
Para especialistas, é natural que soluções controversas para alavancar o controle surjam no setor de aviação civil.
A criatividade é fruto da combinação de dois pontos de convivência desafiadora: a exigência da Anac de que 80% do capital votante esteja na mãos de brasileiros e a elevada necessidade de recursos desse ramo de negócios.
A Associação Internacional do Transporte Aéreo (IATA) projeta que nos próximos 20 anos, as 60 maiores companhias aéreas do mundo terão que investir entre US$ 4 trilhões e US$ 5 trilhões para ampliar a frota de aeronaves das atuais 20 mil unidades para até 39,8 mil em 2031 e para dobrar o universo de cidades atendidas, hoje em 15 mil destinos, especialmente para levar as taxas de conectividade hoje do Hemisfério Norte às grandes cidades emergentes.
Só no Brasil, a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) aponta que as quatro maiores do setor deverão gastar entre R$ 26 bilhões e R$ 36 bilhões até 2020 para elevar dos atuais 100 milhões para 211 milhões o volume de passagens vendidas em solo doméstico - o que só será possível se a frota saltar dos atuais 450 aviões para mais de 970 em oito anos.
Esses números são citados por executivos e acionistas das companhias aéreas para reforçar que o setor é intensivo em capital. "O setor não é só intensivo, precisa de flexibilidade de capital", diz o diretor financeiro de uma das grandes aéreas que operam no Brasil. "A aviação é um negócio que precisa aproveitar as janelas de captação para construir uma curva de endividamento com menor custo."
Nos Estados Unidos, a legislação exige que 75% do capital votante de uma companhia aérea seja nacional, detido por um cidadão americano. Na Europa, essa exigência é de 51%.
Na América do Sul, o Brasil é o mercado mais rigoroso, com o percentual de 80%. No Uruguai, a fatia é de 51%, como na União Europeia, enquanto Chile e Argentina não têm imposição.
A flexibilização da exigência de capital votante detido por cidadãos brasileiros nas empresas aéreas que operam voos domésticos está em discussão no governo.
Mas enquanto ela não vem, os agentes de mercado afirmam que as empresas terão que buscar formas alternativas de atrair capital sem ferir a regulação, com estruturas inovadoras como da Latam e como está tentando fazer a Azul.
Ainda não está claro se a CVM entenderá que a sugestão da Azul está dentro das regras.
O desfecho será acompanhado de perto. "Estamos atentos porque o setor não pode deixar de captar recursos quando o mercado abre janelas só por causa da cor do passaporte", diz o controlador de uma das maiores empresas do país.
Fonte:Valor Econômico - por:Graziella Valenti e João José Oliveira | De São Paulo
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