Anac convoca empresa aérea estrangeira multada por formação de cartel para atuar em sua defesa
Fonte: SNEA
http://www.snea.com.br/noticias/not113.htm
Cláudio Magnavita*Jornal de Turismo
A diretora-geral da Air France no Brasil, Isabelle Birem, escolheu uma estranha forma para comemorar o quinto aniversário da aprovação da aquisição da KLM pela Comissão Europeia. Cinco anos depois da histórica data, em um mesmo 11 de fevereiro, ela pousou em Brasília para participar da audiência pública na sede da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Aliou-se à agência na defesa da liberação das tarifas aéreas internacionais, medida que pode gerar evasão de divisas e afetar empresas nacionais, e se envolveu em uma grande polêmica. A mesma empresa condenada no ano passado na Justiça norte-americana a pagar multa milionária por formação de cartel, tenta no Brasil agir como "defensora do consumidor".
Funcionando como aliada incondicional da Anac, a representante legal da Societé Air France e KLM/Cia. Real Holandesa de Aviação, Isabelle Birem, demonstrou ter conhecimento prévio das regras da audiência, já que foi a única que chegou com uma apresentação em Power Point, já cronometrada para os sete minutos que lhe foram designados "apenas na hora" pela mesa diretora da audiência. Quando começou a falar, sua palestra já estava previamente instalada no computador da agência. Funcionou como uma aliada incondicional da Anac. "Por coincidência", no mesmo dia que a nova Alitalia, empresa caçula do grupo, recebia autorização da própria agência para o seu funcionamento jurídico no Brasil. Tudo concedido em prazo supersônico.
Madame Birem conseguiu uma proeza. Foi opositora dois maiores sindicatos de trabalhadores da aviação: Sindicato Nacional dos Aeronautas, Sindicato dos Aeroviários, Sindicato Nacional das Empresas Aéreas e de representantes dos setores do turismo, da área acadêmica (entre eles um ex-diretor da própria Anac), além da maior companhia aérea brasileira: a TAM, com quem teve voos compartilhados e que foi transformada em neo-adversária pelos franceses.
Os slides previamente instalados no computador da Anac trouxeram à tona uma confissão das artimanhas que as companhias aéreas europeias utilizam para burlar as bandas tarifarias que limitam as margens de desconto. Tudo isso, apresentado em pleno auditório da agência nacional e utilizando o seu equipamento técnico. Diante da plateia e das câmeras de televisão, Madame Birem afirmou que os passageiros são conquistados com o oferecimento de vantagens embutidas nas tarifas, como pernoite em hotel, diárias de carros, sorteios e parcelamentos sem juros no cartão. Na prática, sinalizou que a atual norma de banda tarifaria é ilusória e que ninguém respeita, realizando malabarismos para atrair mais passageiros. Também negou os 3,3 bilhões de euros que a empresa recebeu na década de 90 do governo francês.
Condenadas por formação de cartel
Em sua exposição, Isabelle tentou mostrar que os custos na França são equivalentes ao Brasil, principalmente os tributários. Deixou de fazer um comparativo do poder aquisitivo gaulês com o tupiniquim. Se comparasse o salário mínimo dos dois países, comprovaria a força do seu mercado cativo na Europa, capaz de dar musculatura para que a Air France-KLM tenha caixa para acordos impensáveis para a realidade brasileira. Por exemplo, a companhia aérea francesa pagou, em 2008, ao governo norte-americano a bagatela de US$ 330 milhões depois de se declarar culpada perante o Departamento de Justiça norte-americano de crimes de conspiração cometidos durante vários anos. Só o valor dessa multa é o dobro de todo o capital inicial da novata Azul Linhas Aéreas, que também apareceu para defender a Anac, aumentando os boatos sobre a sua também relação incestuosa com a agência.
No ano passado, o procurador-geral assistente dos Estados Unidos, Kevin O´Connor afirmou à imprensa sobre a formação de cartel confessada pela Air France-KLM: "Essa conspiração para fixar preços sufoca nossa economia e prejudica o povo norte-americano, que, devido à ausência de concorrência no setor, termina pagando a conta", afirmou O´Connor.
"Chega ser irônico, que a representante legal de uma ré confessa nos Estados Unidos, multada por prejudicar o consumidor, venha agora abaixo da linha do Equador se portar como uma defensora do cliente", afirmou um dos presentes à audiência, indignado com a forma agressiva e não polida que a diretora da Air France-KLM chamou de "mentiroso" o brigadeiro Allemander Pereira, ex-diretor da Anac e PHD em aviação, que rebatia as negativas de que a empresa francesa não recebeu subsídios do governo francês. Em sua palestra do VII Simpósio de Transportes Aéreos no ano passado, o brigadeiro já apontava o apoio que diferentes empresas internacionais receberam dos seus governos, entre eles a França.
Também ao noticiar, em um mesmo de 11 de fevereiro, só que cinco anos antes a compra da KLM, o jornal "O Estado de S. Paulo" afirmou: "a aprovação veio uma década depois que a Air France praticamente faliu. A empresa apenas continuou operando por ter conquistado uma permissão da Comissão Europeia para receber ajuda do governo francês de três bilhões de euros".
Air France já foi denunciada à Anac
Em 2006, ao ser transferida da Argentina para o Brasil, Isabelle Birem já foi denunciada à Anac, pelo atual presidente da Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens), Carlos Alberto Amorim Ferreira, que na época dirigia a entidade do Rio. Através de seu advogado, Paulo Roberto Wiedmann, a ABAV-RJ enviou documento ao então presidente da agência, Milton Zuanazzi, cobrando medidas contra a Air France, que adotava a venda de passagens aéreas mais baratas na internet, excluindo o acesso tarifário para os agentes de viagens ao preço oferecido ao publico final. A ação da Abav foi o que colocou ordem na casa.
Segundo estimativas do mercado de turismo, que leva em conta o número de voos e a demanda para a Europa, a Air France deve remeter anualmente mais de US$ 200 milhões do Brasil para a França, sem incluir nesta conta a KLM e agora a Alitalia, que passa a ter participação societária do grupo. O Brasil tem que fabricar e exportar 25 mil automóveis populares só para equilibrar a balança comercial das remessas anuais da companhia francesa para a sua matriz. Este foi outro dado omitido pela madame Birem. Os recursos de cada bilhete que vende no Brasil, os quais ela esperar aumentar com o apoio da Anac, é quase integralmente revertido em remessa para o exterior.
A operação da Air France-KLM, ao incorporar os voos da Alitalia, resultarão em mais de 30 voos semanais entre o Brasil e a Europa. O mais grave é que a coluna vertebral do faturamento da TAM para a Europa é o voo de Paris, operado com três frequências diárias. Uma concorrência predatória nesta rota poderá trazer um desequilíbrio à empresa brasileira. Enquanto a França representa 40% da receita da TAM para a Europa, os voos para o Brasil representam menos de 1% do faturamento mundial da Air France. A empresa poderá se dar o luxo de voar com prejuízo na rota sem quebrar. O mesmo não pode ocorrer com a companhia nacional. Um colapso gera desemprego entre brasileiros e não entre franceses. A banda tarifaria é um instrumento de isonomia e que permite proteger as empresas brasileiras da concorrência predatória.
Com a empresa de bandeira enfraquecida, as internacionais sobem as suas tarifas. É só ver o que aconteceu após o fim da velha Varig. Viajar para a Europa ficou duas ou até três vezes mais caro. O consumidor, a médio prazo, é quem perde muito. A bolha de vantagens e só temporária. Dura o tempo de minar as empresas de bandeira.
Apesar da França ser o berço da diplomacia no mundo, a madame Birem conseguiu, com a sua bravata, ser um verdadeiro elefante em uma loja de cristais. Foi à única representante de empresa aérea estrangeira a se expor na defesa de uma medida que dificilmente ficará longe de intermináveis batalhas jurídicas, enquanto os outros 30 representantes optaram pela prudência. No mesmo dia, ela chamou de "mentiroso" um brigadeiro estimado e respeitado na Força Aérea; confessou manobras para burlar as bandas tarifarias; atacou quem defendeu o turismo doméstico; conseguiu se antagonizar de uma só vez com os sindicatos dos aeronautas e aeroviários e das empresas aéreas; rompeu com a maior empresa aérea do País; expôs uma agenda sintonizada com a aprovação da nova Alitalia, criando tantos adversários. Isso sugere um quadro típico de quem está contando os dias para pedir transferência do País e seguir para outra aventura no mundo, sem avaliar as consequências dos conflitos que gerou.
"Esses cargos de gerentes gerais são temporários e são raros os que procuram fixar raízes nos países nos quais serviu de forma transitória, como foi o caso do carismático Joseh Halfin, um dos melhores diretor geral que a Air France já teve no País", afirma um ex-diretor da Varig.
Rasgando a história
A falta de raízes e respeito às coisas nacionais é compreensível e pode ser creditado a uma profunda desinformação. Ela se manifesta de diversas formas, como a de um documento de apenas sete linhas, assinado por Isabelle Birem e datado do dia 28 de janeiro de 2009. O seu efeito é historicamente imperdoável. Nele, ela afirma secamente:"Em virtude da atual conjuntura econômico-financeira internacional, a Société Air France vem requerer, por sua representante legal no Brasil, a sua exclusão a partir de 1º de fevereiro de 2009, do quadro social do Snea, nos termos do artigo 21, I, de seu estatuto". Desinformada com relação à história da aviação do País e no afã de retalhar o Sindicato Nacional das Empresas Aéreas - que contrariou sua tese da liberação tarifária -, ele cometeu um dos maiores pecados contra a própria história de sua empresa no Brasil.
O Snea foi fundando em 11 de dezembro 1933 pelas companhias aéreas Pan American, Syndicato Condor, PanAir do Brasil, Varig, Vasp, Cia. Aeropostal Brasileira, Aerolloyd Iguassú e a própria Air France. Dos fundadores, só a empresa de mandame Birem continua a voar. Oriunda de um país que cultua a história e as tradições, ela conseguiu em apenas sete linhas guilhotinar 76 anos de presença histórica da Air France no Brasil. Se o motivo verdadeiro foi ocultado, o motivo alegado na carta também é pífio para se jogar no lixo este patrimônio histórico.
A única empresa fundadora do Snea ainda viva pediu para sair 76 anos depois, por causa de uma crise econômica mundial. O curioso é que mesmo com a crise da Segunda Guerra Mundial, a Air France se manteve associada. Quando deixar o Brasil, madame Birem levará no seu currículo a grande realização de ter retirado a companhia francesa da associação da qual foi fundadora em 1933. Ela terá o mérito de apagar a história da sua empresa, pela incapacidade insinuada de não poder pagar a mensalidade, o que é um paradoxo para quem já assumiu uma multa em 2008 de US$ 330 milhões por formação de cartel.
Todos se uniram para contrapor os caprichos de madame Birem. Graziella Baggio, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, afirmou: "devemos proteger os interesses do País na evasão de divisas das nossas empresas aéreas brasileiras, dos milhares de empregos de aeronautas e de aeroviários brasileiros, do efeito das ações intempestivas como a da Anac, que só favorecem empresas estrangeiras".
*Cláudio Magnavita é presidente da Abrajet (Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo), membro do Conselho Nacional de Turismo e diretor do Jornal de Turismo.
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