Negócio da China?
BOMBARDIER FAZ PARCERIA COM A COMAC, E EMBRAER ANUNCIA ACORDOS PARA VENDER E PRODUZIR AVIÕES NA CHINA, PAÍS ATRAI GRANDES EMPRESAS E EXPLORA TECNOLOGIA DELAS PARA TORNAR-SE CONCORRENTE NO MERCADO GLOBAL
BOMBARDIER FAZ PARCERIA COM A COMAC, E EMBRAER ANUNCIA ACORDOS PARA VENDER E PRODUZIR AVIÕES NA CHINA, PAÍS ATRAI GRANDES EMPRESAS E EXPLORA TECNOLOGIA DELAS PARA TORNAR-SE CONCORRENTE NO MERCADO GLOBAL
É difícil imaginar uma empresa que não queira explorar o mercado do país com 1,34 bilhões de habitantes, com crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) na faixa dos 10% durante os últimos 20 anos e com a perspectiva de tornar-se a maior economia do mundo ainda nesta década, segundo estimativa do Relatório de Perspectivas Económicas do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Para o mercado dos fabricantes de aeronaves, a China oferece mais. É o terceiro país do mundo em território, com 9,6 milhões de quilómetros quadrados, com várias regiões de difícil acesso.
Segundo estimativas publicadas pela consultoria McKinsey, o país, que vive uma onda de migração do campo para os centros urbanos, deve chegar a 219 cidades com mais de l milhão de habitantes até 2025. Dessas, 24 deverão ter mais de 5 milhões de moradores.
A intenção da China é mais que se tornar um mercado promissor para a aviação comercial nacional.
O país já é o terceiro destino turístico, atrás dos Estados Unidos e da França, e tem a meta de ser o principal polo turístico do mundo.
Para isso, o governo anunciou um investimento de US$ 230 bilhões para a construção de 45 novos aeroportos. O objetivo é chegar a 2015 com 220 terminais aéreos. No ano passado, a China recebeu 56 milhões de turistas, que gastaram US$ 240 bilhões no país.
As mudanças gradativas na política de controle do espaço aéreo, que hoje restringem o fortalecimento da aviação geral e executiva, também devem provocar um aumento na procura de aeronaves com esse perfil, que inclui helicópteros de diferentes perfis, jatos e turboélices executivos e aeronaves mais simples e de menor porte. Prova dessa expectativa é a compra da Cirrus pela Caiga (China Aviation Industry General Aircraft).
A expectativa é que a negociação seja concluída ainda neste semestre. Com aproximadamente 5.000 aeronaves entregues, a norte-americana Cirrus é líder do segmento de monomotores leves a pistão, por conta dos modelos SR20 e SR22.
Mesmo com o sucesso de vendas, a empresa enfrentava uma crise financeira grave desde 2008, o que atrasou o desenvolvimento de novas aeronaves, notadamente o caso do monojato SF-50 Vision, também conhecido como Cirrus Jet. Apesar de haver tantas vantagens, ou até mesmo por isso, o ingresso no mercado chinês também tem uma série de dificuldades.
A começar pelas características político-econômicas peculiares do país, que mistura economia de mercado com um sistema político baseado na concentração do poder em um partido único, supostamente comunista, e que restringe uma série de direitos essenciais de sua população, especialmente a liberdade de expressão.
O professor Umberto Celli Júnior, livre-docente em Direito Internacional da USP (Universidade de São Paulo), afirma que a falta de transparência também afeta as relações entre a China e as indústrias internacionais, ameaçadas inclusive de utilização indevida de suas tecnologias. "É legítimo que um país imponha condições para o acesso a seu mercado, principalmente a exigência de acesso ao conhecimento científico. O Brasil tem feito isso também, mas com regras claras e que são cumpridas", diferencia.
O conteúdo de parcerias de empresas como a Bombardier e a Embraer com a China sequer é divulgado. Celli lembra que a indústria aeronáutica trabalha com grandes investimentos em desenvolvimento de produtos, que demoram alguns anos para chegar ao mercado e, geralmente, passam por constantes atu-alizações.
Na maioria dos casos, a fabricação de uma aeronave envolve subsídios dos países de origem de cada fabricante. Por isso, a transferência de tecnologia é um assunto mais delicado para este setor do que para outros.
Os baixos salários pagos a profissionais com um bom nível de formação também têm incentivado as empresas a instalarem-se na China, mesmo com a obrigatoriedade de fazer uma parceria com uma empresa local. "Os Estados Unidos têm um déficit brutal em sua relação com a China, mas os números são enganosos, pois o país compra produtos que são feitos por empresas norte-americanas instaladas naquele país", explica Celli.
A migração de empregos cria casos curiosos, como a medida adotada recentemente pela OMC (Organização Mundial do Comércio) para defender a produção de pneus dentro dos Estados Unidos, que sofria forte concorrência do produto chinês, de qualidade equivalente e com menor preço. Os pneus chineses são produzidos com tecnologia norte-americana, por empresas dos Estados Unidos, com mão de obra chinesa.
A medida de proteção foi pedida à OMC pêlos sindicatos de trabalhadores dos Estados Unidos e contaram com a rejeição das empresas, satisfeitas com a rentabilidade dos negócios.
O Brasil vive hoje um dilema com relação à China. Se, por um lado, as compras de commodüies brasileiras têm gerado receitas responsáveis pelo superavit na balança comercial do País, por outro lado, a concorrência dos produtos manufatu-rados chineses traz um risco de desindustrialização do País.
O assunto já é tema de discussão no governo federal, que pretende aumentar a exportação de produtos de alto valor agregado para os asiáticos. Por isso, a venda de aeronaves e as ati-vidades industriais da Embraer na China tornaram-se temas centrais na visita que a presidente Duma Rousseff fez àquele país no último mês de abril.
Em entrevista à Agência Xinhua, Zhou Zhiwei, especialista chinês em assuntos do Brasil, destaca o papel da Embraer nesta estratégia por conta do alto valor agregado e da tecnologia embarcada típicos da aviação. "Mais de 80% das exportações do Brasil à China são de produtos básicos como cereais, soja, petróleo e minério de ferro, porém esta proporção é de 50% no comércio do Brasil com outros países", explicou Zhou, secretário geral do Centro de Pesquisa Brasileira do lias (Instituto da América Latina) de Pequim. Para ele, o crescimento da Embraer naquele país é mais fácil e saudável do que o que é feito por outros fabricantes de aeronaves lá instalados.
A maior dificuldade, no entanto, é que as companhias aéreas chinesas têm dado preferência para os aviões comerciais de grande porte,maiores do que os modelos oferecidos pela empresa brasileira.
Em um mercado com alta procura, é possível preencher os assentos de aeronaves de maior capacidade, que têm um custo de operação menor em relação ao número de passageiros transportados do que os jatos médios produzidos pela Embraer, indicados para destinos de média densidade.
Para Alexandre Karabolad, gerente executivo da CCIBC (Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China), ainda há espaço no mercado daquele país para aviões com até 120 lugares. "O perfil para o mercado chinês são as aeronaves para voos regionais de 50 a 120 passageiros, onde a Embraer se colocou muito bem, à frente de concorrentes como a Bombardier", analisa.
Karabolad lembra que, de acordo com previsões divulgadas pela lata (Associação Internacional de Transporte Aéreo), a taxa de crescimento anual do mercado chinês entre 2009 e 2014 deverá ser de 10,8% para as viagens aéreas internacionais e de 13,9% para as viagens domésticas."
Durante a viagem presidencial, a Embraer assinou um contrato com a Hebei Airlines para a venda de dez E-Jets 190.
Para atender à crescente demanda do transporte aéreo, consequência do acelerado desenvolvimento económico da região, o governo da província de Hebei está priorizando a expansão da aviação. Em junho de 2010, a Hebei Airlines foi criada como uma hoiding do Hebei Aviation Investment Group. Atualmente, a Hebei Airlines opera seis aeronaves, duas delas ERJ 145.
O E-190 ajudará a empresa aérea a apoiar sua expansão de curto prazo. "Estamos satisfeitos em dar as boas-vindas à Hebei Airlines como nosso mais novo operador de E-Jets.
A atual frota chinesa de aeronaves Embraer atingirá em breve 100 unidades e este negócio reforça a confiança e o reconhecimento dos operadores chineses de nossos produtos", disse Paulo César de Souza e Silva, vice-presidente executivo da Embraer para o Mercado de Aviação Comercial.
Também durante a estada de Dilma, a CLC confirmou a compra de um segundo lote de dez E-190. A empresa já havia pedido outras dez aeronaves do mesmo modelo no começo do ano.
Na cerimónia de assinatura do contrato de venda, foi anunciada também a intenção de compra de um terceiro lote de dez E-190.
Caso a nova aquisição seja confirmada, o pedido total da CLC será de 30 aeronaves, no valor de US$ 1,25 bilhão, pelo preço de tabela. Todos os 30 aviões E-190 encomendados pela CLC serão operados pela China Southern Airlines, a maior companhia aérea do país e a terceira do mundo.
A Embraer está presente na China desde o ano 2000 e, atual-mente, mais de 80 aviões produzidos pela companhia operam na região.
A fábrica da empresa em território chinês produzia o jato comercial ERJ-145, de apenas 50 assentos, e, até a visita presidencial, estava ameaçada de fechar por conta da baixa demanda internacional e do mercado chinês por jatos comerciais pequenos. Karabolad explica que o mercado mais atraente é o de aeronaves com até 120 assentos. "Foi difícil obter a autorização do governo daquele país para que as companhias locais pudessem comprar jatos regionais de maior capacidade, justamente no range 50-120 como os da família 170/ 190", diz.
A situação foi resolvida durante a visita de Dilma Rousseff. "Esses são os modelos de maior demanda e é um mercado que, até então, não estava disponível para a Embraer", comenta. Em estudo do fim do ano passado, o fabricante brasileiro previa que o mercado chinês necessitaria de 950 novos jatos regionais nos próximos 20 anos: 20 deles com capacidade de 20 a 30 passageiros, 425 para transportar entre 61 e 90 pessoas e 505 com número de assentos entre 91 e 120.
A solução para a planta industrial com baixa ocupação veio com a entrada do fabricante brasileiro na produção de jatos executivos naquele país.
A Embraer assinou um acordo com a Avie (Aviation Industry Corporation of China) para implementar uma linha de produção das aeronaves Legacy 600/650 na China, utilizando infraestrutura, recursos financeiros e mão de obra da joint venture Heai (Harbin Embraer Aircraft Industry Company).
A adaptação da linha de produção não é difícil, pois o Legacy é produzido com a mesma plataforma do ERJ-145. A grande diferença está no acabamento da aeronave executiva, que faz também que seu preço de venda seja mais elevado.
Para fortalecer-se na venda de aeronaves executivas naquele país, a Embraer já havia assinado, no início de abril, um acordo de cooperação estratégica com a Minsheng Financial Leasing, subsidiária do China Minsheng Banking.
O objetivo é criar oportunidades de financiamento para a venda de aeronaves do fabricante brasileiro na China e em outros países e promover a aviação executiva naquele país.
O gerente executivo da CCIBC também acredita em uma rápida expansão do mercado de aviação executiva, especialmente para jatos de longo alcance. "À medida que forem flexibilizadas as restrições, haverá uma forte expansão na demanda no setor, já que hoje há diversas empresas e indivíduos com recursos e necessidade, mas não conseguem ser atendidos", explica. Para ele, a abertura levará a uma procura por jatos executivos, principalmente de médio e longo alcance, em razão das dimensões continentais da China e do forte intercâmbio de negócios com outros países da região.
O apoio do governo brasileiro chega em um momento importante, pois a Bombardier, principal concorrente da Embraer no mercado de jatos regionais, fechou uma parceria com a Comac (Commercial Aircraft Corporation of China). "A concorrência com a Bombardier existe há anos no mundo inteiro e há planejamento em cima disso.
A parceria vai acirrar a disputa, porém é um grande mercado e, inicialmente, não deve afetar os planos da Embraer", opina Karabolad. Ele acredita que o fabricante brasileiro leva vantagem por ter mais tempo de China. "Bombardier e Comac ainda terão de resolver problemas inerentes de uma cooperação desse nível, como prazo para ajuste de culturas e decidir as metas para começarem a trabalhar juntas", crê.
Segundo as empresas, o acordo de cooperação vai permitir a união de forças para o desenvolvimento de projetos e aumentar a participação nos mercados. Ambas as empresas também vão avaliar a possibilidade de cooperação com relação aos programas de desenvolvimento das aeronaves C919, da Comac, e CSeries, da Bombardier. "Tanto a Comac quanto a Bombardier possuem forças específicas que, quando combinadas, irão melhorar a competitividade dos nossos respectivos programas de aeronaves e os negócios em geral", disse Zhang Qingwei, presidente do fabricante chinês.
A estimativa dos chineses é que o C919 conclua seus voos-teste até o fim de 2014. A entrega dos primeiros exemplares está prometida para 2016.
A aeronave será produzida com duas configurações: de 168 lugares e 190. O projeto canadense é desenvolver o CS100, com capacidade entre 100 e 125 passageiros, e o CS300, de 120 a 145. O primeiro voo da nova aeronave está previsto para 2012. A intenção do fabricante é que os novos modelos tenham um custo de operação 15% menor, com economia de 20% em manutenção e 25% em combustíveis.
Ben Boehm, vice-presidente de Negócios Internacionais em Aviação Comercial da Bombardier, diz que as duas empresas vão encontrar sinergias para que cada uma possa explorar suas potencia-lidades da melhor forma.
A Bombardier considera que o CSeries será atraente para as companhias aéreas chinesas. Ele lembra que os novos modelos do fabricante canadense e o C919 não devem concorrer diretamente, pois transportam um número diferente de passageiros.
Boehm afirma que os novos parceiros podem, inclusive, desenvolver uma nova aeronave para preencher esta lacuna de capacidade. "O mercado asiático é muito atraente para a indústria aeronáutica de forma geral", diz.
O anúncio da parceria entre a Bombardier e a Comac não surpreendeu a Boeing, que lembrou que as duas empresas já vinham desenvolvendo vários programas em conjunto.
O fabricante norte-americano destaca que o mercado chinês tem grande potencial e espaço para vários concorrentes em produtos e serviços. Em abril passado, foi inaugurada a nova fábrica da Boeing Tianjin, parceria do fabricante norte-americano com a China Aviation In-dustry, que produz componentes e partes para os modelos 737, 747-8, 767, 777 e 787 Dreamliner.
A europeia Airbus tem uma linha de montagem de aeronaves na China em produção desde 2009.
O fabricante estima que as companhias aéreas chinesas devam encomendar 2.500 aeronaves novas nos próximos 20 anos. A participação da Airbus no mercado de aeronaves com mais de 100 assentos, nos últimos 15 anos, subiu de 7% para 44% . Neste ano, metade da produção do fabricante deve ser entregue para companhias daquele país.
Se tem sido um mercado lucrativo hoje, a China tende a tornar-se um concorrente para os fabricantes no futuro, inclusive por conta do compartilhamento de tecnologia. "A bagagem técnica aeronáutica adquirida pelas empresas tradicionais as torna confiáveis na visão do mercado. Mas fica evidente o potencial chinês.
Até a próxima década, estaremos vendo aeronaves chinesas sendo homologadas, com boa tecnologia e, principalmente, adquirindo a confiança do mercado", afirma Karabolad, da CCIBC.
A polémica sobre aviação militar com a Rússia, que começou no ano passado, é exemplo dos métodos agressivos usados pela China para desenvolver sua aviação.
Os russos afirmam que o caça J-15, construído pela Shenyang Aircraft Corporation, é uma cópia pirata do caça naval Sukhoi Su-33 feita a partir de um protótipo que teria sido vendido pela Ucrânia. Os chineses também são acusados de produzir cópia pirata do Su-27, que deu origem ao Su-33.
Fonte:Revista Aeromagazine-por:LEONARDO FUHRMANN
Para o mercado dos fabricantes de aeronaves, a China oferece mais. É o terceiro país do mundo em território, com 9,6 milhões de quilómetros quadrados, com várias regiões de difícil acesso.
Segundo estimativas publicadas pela consultoria McKinsey, o país, que vive uma onda de migração do campo para os centros urbanos, deve chegar a 219 cidades com mais de l milhão de habitantes até 2025. Dessas, 24 deverão ter mais de 5 milhões de moradores.
A intenção da China é mais que se tornar um mercado promissor para a aviação comercial nacional.
O país já é o terceiro destino turístico, atrás dos Estados Unidos e da França, e tem a meta de ser o principal polo turístico do mundo.
Para isso, o governo anunciou um investimento de US$ 230 bilhões para a construção de 45 novos aeroportos. O objetivo é chegar a 2015 com 220 terminais aéreos. No ano passado, a China recebeu 56 milhões de turistas, que gastaram US$ 240 bilhões no país.
As mudanças gradativas na política de controle do espaço aéreo, que hoje restringem o fortalecimento da aviação geral e executiva, também devem provocar um aumento na procura de aeronaves com esse perfil, que inclui helicópteros de diferentes perfis, jatos e turboélices executivos e aeronaves mais simples e de menor porte. Prova dessa expectativa é a compra da Cirrus pela Caiga (China Aviation Industry General Aircraft).
A expectativa é que a negociação seja concluída ainda neste semestre. Com aproximadamente 5.000 aeronaves entregues, a norte-americana Cirrus é líder do segmento de monomotores leves a pistão, por conta dos modelos SR20 e SR22.
Mesmo com o sucesso de vendas, a empresa enfrentava uma crise financeira grave desde 2008, o que atrasou o desenvolvimento de novas aeronaves, notadamente o caso do monojato SF-50 Vision, também conhecido como Cirrus Jet. Apesar de haver tantas vantagens, ou até mesmo por isso, o ingresso no mercado chinês também tem uma série de dificuldades.
A começar pelas características político-econômicas peculiares do país, que mistura economia de mercado com um sistema político baseado na concentração do poder em um partido único, supostamente comunista, e que restringe uma série de direitos essenciais de sua população, especialmente a liberdade de expressão.
O professor Umberto Celli Júnior, livre-docente em Direito Internacional da USP (Universidade de São Paulo), afirma que a falta de transparência também afeta as relações entre a China e as indústrias internacionais, ameaçadas inclusive de utilização indevida de suas tecnologias. "É legítimo que um país imponha condições para o acesso a seu mercado, principalmente a exigência de acesso ao conhecimento científico. O Brasil tem feito isso também, mas com regras claras e que são cumpridas", diferencia.
O conteúdo de parcerias de empresas como a Bombardier e a Embraer com a China sequer é divulgado. Celli lembra que a indústria aeronáutica trabalha com grandes investimentos em desenvolvimento de produtos, que demoram alguns anos para chegar ao mercado e, geralmente, passam por constantes atu-alizações.
Na maioria dos casos, a fabricação de uma aeronave envolve subsídios dos países de origem de cada fabricante. Por isso, a transferência de tecnologia é um assunto mais delicado para este setor do que para outros.
Os baixos salários pagos a profissionais com um bom nível de formação também têm incentivado as empresas a instalarem-se na China, mesmo com a obrigatoriedade de fazer uma parceria com uma empresa local. "Os Estados Unidos têm um déficit brutal em sua relação com a China, mas os números são enganosos, pois o país compra produtos que são feitos por empresas norte-americanas instaladas naquele país", explica Celli.
A migração de empregos cria casos curiosos, como a medida adotada recentemente pela OMC (Organização Mundial do Comércio) para defender a produção de pneus dentro dos Estados Unidos, que sofria forte concorrência do produto chinês, de qualidade equivalente e com menor preço. Os pneus chineses são produzidos com tecnologia norte-americana, por empresas dos Estados Unidos, com mão de obra chinesa.
A medida de proteção foi pedida à OMC pêlos sindicatos de trabalhadores dos Estados Unidos e contaram com a rejeição das empresas, satisfeitas com a rentabilidade dos negócios.
O Brasil vive hoje um dilema com relação à China. Se, por um lado, as compras de commodüies brasileiras têm gerado receitas responsáveis pelo superavit na balança comercial do País, por outro lado, a concorrência dos produtos manufatu-rados chineses traz um risco de desindustrialização do País.
O assunto já é tema de discussão no governo federal, que pretende aumentar a exportação de produtos de alto valor agregado para os asiáticos. Por isso, a venda de aeronaves e as ati-vidades industriais da Embraer na China tornaram-se temas centrais na visita que a presidente Duma Rousseff fez àquele país no último mês de abril.
Em entrevista à Agência Xinhua, Zhou Zhiwei, especialista chinês em assuntos do Brasil, destaca o papel da Embraer nesta estratégia por conta do alto valor agregado e da tecnologia embarcada típicos da aviação. "Mais de 80% das exportações do Brasil à China são de produtos básicos como cereais, soja, petróleo e minério de ferro, porém esta proporção é de 50% no comércio do Brasil com outros países", explicou Zhou, secretário geral do Centro de Pesquisa Brasileira do lias (Instituto da América Latina) de Pequim. Para ele, o crescimento da Embraer naquele país é mais fácil e saudável do que o que é feito por outros fabricantes de aeronaves lá instalados.
A maior dificuldade, no entanto, é que as companhias aéreas chinesas têm dado preferência para os aviões comerciais de grande porte,maiores do que os modelos oferecidos pela empresa brasileira.
Em um mercado com alta procura, é possível preencher os assentos de aeronaves de maior capacidade, que têm um custo de operação menor em relação ao número de passageiros transportados do que os jatos médios produzidos pela Embraer, indicados para destinos de média densidade.
Para Alexandre Karabolad, gerente executivo da CCIBC (Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China), ainda há espaço no mercado daquele país para aviões com até 120 lugares. "O perfil para o mercado chinês são as aeronaves para voos regionais de 50 a 120 passageiros, onde a Embraer se colocou muito bem, à frente de concorrentes como a Bombardier", analisa.
Karabolad lembra que, de acordo com previsões divulgadas pela lata (Associação Internacional de Transporte Aéreo), a taxa de crescimento anual do mercado chinês entre 2009 e 2014 deverá ser de 10,8% para as viagens aéreas internacionais e de 13,9% para as viagens domésticas."
Durante a viagem presidencial, a Embraer assinou um contrato com a Hebei Airlines para a venda de dez E-Jets 190.
A primeira entrega destes dez jatos está programada para setembro de 2012.
Para atender à crescente demanda do transporte aéreo, consequência do acelerado desenvolvimento económico da região, o governo da província de Hebei está priorizando a expansão da aviação. Em junho de 2010, a Hebei Airlines foi criada como uma hoiding do Hebei Aviation Investment Group. Atualmente, a Hebei Airlines opera seis aeronaves, duas delas ERJ 145.
A atual frota chinesa de aeronaves Embraer atingirá em breve 100 unidades e este negócio reforça a confiança e o reconhecimento dos operadores chineses de nossos produtos", disse Paulo César de Souza e Silva, vice-presidente executivo da Embraer para o Mercado de Aviação Comercial.
Na cerimónia de assinatura do contrato de venda, foi anunciada também a intenção de compra de um terceiro lote de dez E-190.
Caso a nova aquisição seja confirmada, o pedido total da CLC será de 30 aeronaves, no valor de US$ 1,25 bilhão, pelo preço de tabela. Todos os 30 aviões E-190 encomendados pela CLC serão operados pela China Southern Airlines, a maior companhia aérea do país e a terceira do mundo.
A empresa começará a receber os novos modelos no segundo semestre deste ano.
A Embraer está presente na China desde o ano 2000 e, atual-mente, mais de 80 aviões produzidos pela companhia operam na região.
A fábrica da empresa em território chinês produzia o jato comercial ERJ-145, de apenas 50 assentos, e, até a visita presidencial, estava ameaçada de fechar por conta da baixa demanda internacional e do mercado chinês por jatos comerciais pequenos. Karabolad explica que o mercado mais atraente é o de aeronaves com até 120 assentos. "Foi difícil obter a autorização do governo daquele país para que as companhias locais pudessem comprar jatos regionais de maior capacidade, justamente no range 50-120 como os da família 170/ 190", diz.
A situação foi resolvida durante a visita de Dilma Rousseff. "Esses são os modelos de maior demanda e é um mercado que, até então, não estava disponível para a Embraer", comenta. Em estudo do fim do ano passado, o fabricante brasileiro previa que o mercado chinês necessitaria de 950 novos jatos regionais nos próximos 20 anos: 20 deles com capacidade de 20 a 30 passageiros, 425 para transportar entre 61 e 90 pessoas e 505 com número de assentos entre 91 e 120.
A solução para a planta industrial com baixa ocupação veio com a entrada do fabricante brasileiro na produção de jatos executivos naquele país.
A Embraer assinou um acordo com a Avie (Aviation Industry Corporation of China) para implementar uma linha de produção das aeronaves Legacy 600/650 na China, utilizando infraestrutura, recursos financeiros e mão de obra da joint venture Heai (Harbin Embraer Aircraft Industry Company).
A adaptação da linha de produção não é difícil, pois o Legacy é produzido com a mesma plataforma do ERJ-145. A grande diferença está no acabamento da aeronave executiva, que faz também que seu preço de venda seja mais elevado.
Para fortalecer-se na venda de aeronaves executivas naquele país, a Embraer já havia assinado, no início de abril, um acordo de cooperação estratégica com a Minsheng Financial Leasing, subsidiária do China Minsheng Banking.
O objetivo é criar oportunidades de financiamento para a venda de aeronaves do fabricante brasileiro na China e em outros países e promover a aviação executiva naquele país.
O gerente executivo da CCIBC também acredita em uma rápida expansão do mercado de aviação executiva, especialmente para jatos de longo alcance. "À medida que forem flexibilizadas as restrições, haverá uma forte expansão na demanda no setor, já que hoje há diversas empresas e indivíduos com recursos e necessidade, mas não conseguem ser atendidos", explica. Para ele, a abertura levará a uma procura por jatos executivos, principalmente de médio e longo alcance, em razão das dimensões continentais da China e do forte intercâmbio de negócios com outros países da região.
O apoio do governo brasileiro chega em um momento importante, pois a Bombardier, principal concorrente da Embraer no mercado de jatos regionais, fechou uma parceria com a Comac (Commercial Aircraft Corporation of China). "A concorrência com a Bombardier existe há anos no mundo inteiro e há planejamento em cima disso.
A parceria vai acirrar a disputa, porém é um grande mercado e, inicialmente, não deve afetar os planos da Embraer", opina Karabolad. Ele acredita que o fabricante brasileiro leva vantagem por ter mais tempo de China. "Bombardier e Comac ainda terão de resolver problemas inerentes de uma cooperação desse nível, como prazo para ajuste de culturas e decidir as metas para começarem a trabalhar juntas", crê.
A estimativa dos chineses é que o C919 conclua seus voos-teste até o fim de 2014. A entrega dos primeiros exemplares está prometida para 2016.
A aeronave será produzida com duas configurações: de 168 lugares e 190. O projeto canadense é desenvolver o CS100, com capacidade entre 100 e 125 passageiros, e o CS300, de 120 a 145. O primeiro voo da nova aeronave está previsto para 2012. A intenção do fabricante é que os novos modelos tenham um custo de operação 15% menor, com economia de 20% em manutenção e 25% em combustíveis.
Ben Boehm, vice-presidente de Negócios Internacionais em Aviação Comercial da Bombardier, diz que as duas empresas vão encontrar sinergias para que cada uma possa explorar suas potencia-lidades da melhor forma.
A Bombardier considera que o CSeries será atraente para as companhias aéreas chinesas. Ele lembra que os novos modelos do fabricante canadense e o C919 não devem concorrer diretamente, pois transportam um número diferente de passageiros.
Boehm afirma que os novos parceiros podem, inclusive, desenvolver uma nova aeronave para preencher esta lacuna de capacidade. "O mercado asiático é muito atraente para a indústria aeronáutica de forma geral", diz.
O anúncio da parceria entre a Bombardier e a Comac não surpreendeu a Boeing, que lembrou que as duas empresas já vinham desenvolvendo vários programas em conjunto.
O fabricante norte-americano destaca que o mercado chinês tem grande potencial e espaço para vários concorrentes em produtos e serviços. Em abril passado, foi inaugurada a nova fábrica da Boeing Tianjin, parceria do fabricante norte-americano com a China Aviation In-dustry, que produz componentes e partes para os modelos 737, 747-8, 767, 777 e 787 Dreamliner.
A europeia Airbus tem uma linha de montagem de aeronaves na China em produção desde 2009.
O fabricante estima que as companhias aéreas chinesas devam encomendar 2.500 aeronaves novas nos próximos 20 anos. A participação da Airbus no mercado de aeronaves com mais de 100 assentos, nos últimos 15 anos, subiu de 7% para 44% . Neste ano, metade da produção do fabricante deve ser entregue para companhias daquele país.
Se tem sido um mercado lucrativo hoje, a China tende a tornar-se um concorrente para os fabricantes no futuro, inclusive por conta do compartilhamento de tecnologia. "A bagagem técnica aeronáutica adquirida pelas empresas tradicionais as torna confiáveis na visão do mercado. Mas fica evidente o potencial chinês.
Até a próxima década, estaremos vendo aeronaves chinesas sendo homologadas, com boa tecnologia e, principalmente, adquirindo a confiança do mercado", afirma Karabolad, da CCIBC.
A polémica sobre aviação militar com a Rússia, que começou no ano passado, é exemplo dos métodos agressivos usados pela China para desenvolver sua aviação.
Os russos afirmam que o caça J-15, construído pela Shenyang Aircraft Corporation, é uma cópia pirata do caça naval Sukhoi Su-33 feita a partir de um protótipo que teria sido vendido pela Ucrânia. Os chineses também são acusados de produzir cópia pirata do Su-27, que deu origem ao Su-33.
Fonte:Revista Aeromagazine-por:LEONARDO FUHRMANN
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