06/08/2009

TRAMPOLIM DA VITÓRIA

Não é de hoje que os EUA (USAF) utilizam o Brasil (Recife) como rampa para seus voos a Europa.

Aqui fica uma Homenagem a aqueles que tanto trabalharam e serviram para nos trazer a paz que nos rodeia Hoje (Voar news)



TRAMPOLIM DA VITÓRIA

TEXTOS DE AUGUSTO FERNANDES*



A CIDADE MENINA

Pequena, sem diversões, sem vida noturna, a cidade de Natal é uma saudade dos tempos idos. É u'a menina que não quer ficar moça. Pr'a que? Seu povo, porém, é simples e bom. Dentro das suas possibilidades vai vivendo. Há educação aqui. Há instrução.

Um dia fui à cidade pela primeira vez.

Conhecimentos, amizades, namoros... Em poucos minutos pode-se conhecer Natal, mas são precisos anos para compreendê-la.

Certos cavalheiros que, como eu, chegaram de outras plagas, hoje vivem em Natal por algum motivo. A maioria, militar que a guerra foi buscar nos mais diversos recantos do Brasil e do mundo.

Imagino que você, leitor, veio também de uma grande cidade, onde é comum encontrar-se o que é bom e agradável, o que faz bem ao corpo e ao espírito.

Bons cinemas, bons teatros, bons cassinos, boas avenidas, boas praças e jardins, boas praias, comércio, adiantada civilização e as mulheres mais lindas deste planeta. Em uma palavra: conforto.

Você, digamos, veio do sul, onde, apesar dos pesares, tudo são flores... Pois bem.

Em Natal, você encontrou uma cidade diferente.

Acredito que em um momento de desânimo, de tédio, você tenha deixado explodir alguma exclamação menos lisonjeira para a cidade que o acolheu tão bem. Eu também, confesso, reclamei e ainda reclamo contra certas coisas que não admito.

É lógico que nós, humanos, especialmente nós que já tivemos a oportunidade de gozar das delícias de uma vida boêmia numa cidade mais civilizada, culta e próspera, sentimos às vezes certa revolta quando vivemos fora do nosso ambiente e do nosso lar.
Vamos colocar os pontos nos ii...

Em Natal, você poderia encontrar uma cidade igual ao Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre ou Belo Horizonte. Você sabe que o Brasil é um "caso" puramente geográfico.

Veja-se o livro "Crítica", de Humberto de Campos (1ª parte). "Retrato do Brasil". E não me expandirei contando a história que você deve conhecer.

Temos no sul - grandes cidades - bem adiantadas, enquanto - no norte - com raras exceções, o que vemos é verdadeiramente digno de atenção por parte dos que trabalham pelo desenvolvimento moral e material do nosso Brasil. Cidades, como Natal, precisando de auxílio, de cooperação.

Sob a influência da guerra e outros fatores (seca, emigração, etc.) a sua população aumentou consideravelmente.

Dizem as novas estatísticas que de mais de 50%. Considerando esse aumento de seres humanos, em sua maioria, militares; as conseqüências diretas da guerra; a vida passou a ser enfrentada sob outro aspecto (carestia em tudo).

Chegaremos, pois, à conclusão fácil de que por muita benevolência, boa vontade e paciência que tivéssemos, sempre haveria de aparecer um momento para menosprezar a cidade que culpa nenhuma tem das transformações sociais e ideológicas que se passam no mundo.

Nós, que aqui chegamos, deixamos lá distante aqueles que fazem parte do nosso Ego, aqueles para quem uma separação é verdadeira tortura, pois não sabem por quanto tempo e, o mais doloroso, se voltarão.

Assim, longe dos que nos são caros, longe de todo o conforto de outrora, enfrentando os mais sérios obstáculos, sem termos a ocasião de encontrar bons divertimentos, bons lugares para recrear o espírito, é admissível que saia uma expressão áspera, em sinal de protesto - o grito d'alma de quem não está satisfeito com essa vida agitada em que vivemos. É por isso que eu te peço, natalense amigo, perdoa-nos se algumas vezes ofendemos a cidade que é tua e é nossa, porque ela também é Brasil.

Natal hoje está muito diferente. Transformou-se, como tudo, segundo Lavoisier. Natal de hoje é Natal da guerra, do Trampolim para a África.

Surgiram novidades de todas as formas. É Natal dos militares, dos americanos de Parnamirim. Outro movimento, outra gente, outras emoções. Natal onde as águias metálicas passam...
Natal do clima saudável e das noites bonitas.


Há, de dia, pelas ruas, grande agitação, carros enormes, caminhões cheios de gente, de operários que vão trabalhar. Natal do meu tempo é Natal do "Grande-Ponto", da "cidade-alta" e da "cidade-baixa". Natal d'A Rádio Educadora, d'A República, d'O Diário e d'A Ordem. É Natal do Alecrim, de Petrópolis, do Tirol e da Ribeira.

Ruas pequenas e bem limpas, onde se nota a falta de arborização. É Natal do cinema Rex e do Teatro Carlos Gomes. É Natal das garotas simples, simpáticas e inteligentes.

É a mocidade do Ateneu, do Colégio das Neves, da Escola Doméstica, do Colégio Santo Antônio.

É Natal dos esportistas do ABC, do Alecrim, do Santa Cruz, do América e do Atlético. Natal onde se pode encontrar ainda um tempo que não acabou: o bom tempo da verdadeira amizade, aquele em que é comum o sujeito pegar o café e o bonde pr'o amigo.

É Natal inteligente e culto, onde podemos encontrar Luís da Câmara Cascudo, Elói de Sousa, Esmeraldo Siqueira, Lourenço Branco, Américo de Oliveira, Rui Paiva, Alvamar Furtado, Antonio Fagundes, Djalma Maranhão, José Saturnino, entre tantos outros da velha guarda.


A nova geração surge brilhantemente representada por jovens como Murilo Melo Filho, Veríssimo de Melo, Hélio Santiago, Leonardo Bezerra, José Guará, Romeu Aranha, etc. Este é o meu Natal querido do rio Potengi - o rio que é um verdadeiro poema.

É Natal - a cidade onde eu e outros colegas recebemos verdadeiras lições de experiência da vida e de brasilidade.

É Natal dos nossos vôos arriscados, das nossas "Patrulhas". Será a cidade onde (se bem que não tenha encontrado um Paraíso) formei ainda mais o meu caráter.

Será Natal das boas amizades, da rapaziada camarada, "igual" e sem pedantismo.

Será Natal de uma geração vigorosa, nascida e criada num mundo de realidades.

Será Natal - sempre e sempre - pedaço do Brasil! Nosso berço e nossa alma...


O TRAMPOLIM DE HOJE
(1945)


Em 1945, a Base Aérea de Natal é uma Base completamente diferente daquela de 42, 43 e 44, quando o mundo vivia entre ferro e fogo. Hoje, o Campo de Parnamirim - o famoso Trampolim da Vitória - representa uma página gloriosa na História da última guerra. Ainda é, assim mesmo, uma grande Base.

Os nazistas, os fascistas, os fanáticos japoneses, foram todos derrotados. É certo que o mundo ainda enfrenta grandes problemas - conseqüência lógica da tempestade que passou - mas, se houver boa vontade e compreensão entre os homens - teremos realmente um mundo de paz.

O Trampolim da Vitória não deve ser esquecido, porque ele foi um fator importante na derrota do Eixo.

Hoje, nos céus de Natal, não vemos - em tão grande número - bombardeiros de outrora, mas as águias metálicas continuam pousando em Parnamirim.

São as mensagens da paz. Surgiram as companhias comerciais e vemos então os grandes transatlânticos aéreos cruzando o espaço em todas as direções.

É o mundo novo. Que esse mundo não seja efêmero!
O alicerce ficou.

Os americanos - quase a totalidade - já voltaram, como prometeram - e entregaram aquilo que devemos defender com cuidado e carinho: as suas instalações.

Hoje, não vemos mais, como antigamente, os homens do "Army" e os da "Navy" espalhados pelas ruas da cidade, vivendo e brincando como qualquer filho da terra. Eles voltaram. O tempo é outro. Uma vida nova surgiu.

Que sejam felizes! Em nossa Base, também, o panorama transformou-se. Outros companheiros chegaram, outros morreram - como o Novais e o Divino, mas o Trampolim continua firme, com a sua história, com a sua vida, nem sempre cheia de belezas.

Poucos são os que - desde os primeiros tempos - ainda se encontram trabalhando, vivendo e voando, nesse pedaço de terra, onde o vento, a areia e o sol forte do Nordeste, são os companheiros de todos os dias.

É justo citarmos esses nomes: Roberto Pessoa Ramos, Pedro Luis Pereira de Souza, Sebastião Cequeira, José Carlos Teixeira Rocha, Eduardo Costa Vahia de Abreu, Oscar Tempel da Costa Gadelha, Altamiro Di Bernardi, Alex Gunther Schaly, Carlos Walsh, Everton Batalha, Myron Campelo da Silva, Manoel Magalhães Filho, Marceliano de Almeida Neto, Urilo Ribas Ribeiro, Telêmaco Manoel Antunes, José Soares Vargas, Hélio Moreira de Souza, Wilson Silva Cardoso, Licio de Castro, Denes Alcântara, Orlando Bulcão de Figueiredo, Gizelar de Oliveira, Pedro de Ascenção Silva, Arnaldo Yule de Oliveira, Modesto de Souza, Danilo Teixeira da Silva, Moacir da Silva Ribeiro, Carlos Alberto de Araújo Souza, Aldo Schimidt, Furio Tonso, Flávio Pereira do Vale, José Augusto Nunes, Rangel Toledo, João A. do Nascimento.

São pilotos, Especialistas, infantes, técnicos, artífices, homens que enfrentam sérios obstáculos - longe da família e de todo o conforto.
Recordemos, também, os que continuam em Recife, Fortaleza e Belém, os da velha guarda.

Eles são os verdadeiros heróis, embora não tenham recebido medalhas nem títulos honoríficos.

Sinto não poder escrever o nome de todos, mas a glória, a verdadeira glória, pertence a eles, os heróis desconhecidos...

Parnamirim Field
Parnamirim Field

No tempo da guerra, todo mundo sabe, muita gente se empregou em Parnamirim Field.

Dentre esses pioneiros burocratas – recrutados, diziam, sob o olhar atento do pastor Doutor Mateus, tido como coronel da inteligência da USAF - estavam Othoniel Menezes, o poeta da “Praieira”; "Seu" Galvão, pai do Professor Cláudio Galvão, este, escritor e pesquisador emérito; Dioclécio Sérgio de Bulhões, homeopata, homem boníssimo e caridoso, que mais tarde seria Vereador em Natal, por muitas legislaturas. Agenor Ribeiro, depois empresário; Rômulo "Minha Gata", que deixando Parnamirim foi para o Banco do Brasil; Emanuel Rivadávia, também, posteriormente,serviu ao BB, no México.

Era tão fluente em inglês que foi quem leu para o General Eisenhower um discurso escrito por Othoniel, saudando o futuro Presidente dos Estados Unidos, em nome do pessoal civil da Base.

Misturando-se a essa boa gente, para lá também acorreram alguns "artistas" do Grande Ponto, filhinhos-de-papai, arranhando inglês, charlando, dançando fox no Aéro, bodando na Pedro Velho...

A "sopa" (o ônibus) guiada por "Charuto", negão forte e valente, embarcava o pessoal na Pracinha (“Pedro Velho”, hoje Praça “Cívica”) e “imbiocava” na Parnamirim Road, a “Pista”. Fazia o pit stop no portão da Base, ia em frente e deixava os "porcos" no Post of Engineers. "Porco", era o apelido dado aos funcionários subalternos, os operários, que viajavam nas carrocerias dos caminhões e que depois se generalizou. De Natal à Base, no ônibus, não viajando criança ou mulher - o que era raro - a esculhambação era grossa.

Vida alheia, anedotas cabeludas, acenos para as “piniqueiras” no trajeto, o escambau.

Othoniel Menezes, arredio, desconfiado – da raça irritável dos poetas, como afirmava Virgílio -, somente com os mais íntimos trocava piadas. Era sofrido, pobre – mas, altivo, culto e probo. Jornalista de renome, Secretário da “A República”, amigo de Café Filho, socialista, admirador de Luiz Carlos Prestes, escrevera em 1935, sozinho, o jornal “A Liberdade”. Taxado de “comunista”, passara mais de três anos na cadeia. Em Parnamirim, não ligava para o apelido de "Ipecacuanha" (tinha mania por chá caseiro!).

Deu o troco ao autor da proeza, o colega Dioclécio Bulhões, o homeopata, que tinha uma imponente trunfa: sapecou-lhe a alcunha de "Professor Bendengó" ! Prudente, o vate guardava distância dos "artistas" do Grande Ponto, alguns deles, até, filhos de amigos e parentes.

O diabo, porém, atenta! Um belo dia, na rebarba de uma daquelas algazarras, do fundo do coletivo, ouviu, clara e maliciosa, a acaçapante e maldosa sentença: "Othoniel, poeta da camisa rasgada!"

Vilipendiado, trêmulo, levantou-se e partiu pra briga. Era homem de coragem comprovada. Não conseguiu chegar à patota.

Os amigos, todos, não o deixaram.

A coitada camisa que vestia, cerzida e passada, engomada, pelas mãos da sua Maria, era tão só o espelho da sua pobreza respeitável e resignada! Não lhe pisassem...! Não conseguiu identificar o autor da agressão.

Nunca soube quem foi. Nunca lhe disseram.

Minutos depois, já no Post of Engineers, pálido, calado, à vista dos companheiros solidários, sentou-se e, a manuscrito, em letras garrafais, numa folha de cartolina made in USA - depois afixada no Quadro de Avisos - FULMINOU o gaiato:

" A camisa rota, oh corno
- que só você foi quem viu -,
foi de uma foda no torno
com a puta que lhe pariu !”

“Ipepacuonha”esboçou um acanhado sorriso para o futuro vereador - o “Professor Bendengó” - e encerrou, para sempre, o assunto.


Laélio Ferreira de Melo, Cronista


A velha Confeitaria Cisne

Parnamirim Field
Soldados americanos fazem pose no "Parnamirim Field", antes do embarque para a África

Protásio Melo

Ficava quase no final da rua João Pessoa, 162, junto ao prédio da loja Nações Unidas, esquina com a Rio Branco.

Aquele local era ponto de destaque da cidade. Na década de 30, foi o Café Avenida onde a rapaziada elegante se reunia de paletó e gravata e, algumas vezes, até de bengala, para tomar café.


Os jovens bebiam menos nesse tempo. Iam, ali, mais para passar o tempo, contar suas conquistas ou ‘‘bodagens’’ e, como não podia deixar de ser num grupamento humano civilizado, ‘‘sentar a pua’’ em quem prevaricava. A cidade era pequena. Sabia-se de tudo e se conhecia todo mundo.


Depois veio a Grande Ponte, de Andrade, que também exerceu papel importante na vida da Natal em desenvolvimento.

O Grande Ponto viu alegria, cachaçada, brigas de Milton Siqueira, perseguição política, esculhambação de estudantes, prisões, enfim, um aglomerado à altura de uma cidade que se modernizava.


Vestia-se camisa esporte, ‘‘silek’’, que os americanos introduziram nos costumes.

Os assuntos eram outros, já se viajava para fora de Natal para conhecer um Brasil maior, os filhinhos de papai - os mauricinhos - arrumados à última moda e dirigindo carros modernos, para olhar o ‘‘footing’’ de tarde, descendo a João Pessoa ou subindo a Rio Branco, que alguns ainda chamavam de rua Nova.


E se passaram os tempos, as condições de vida acabaram com o velho Grande Ponto, e a Loja Nações Unidas abre elegante estabelecimento na esquina.

Mas ficara a grande falha. Não havia mais um lugar para sentar, conversar, beber ou comentar a vida alheia.

É quando aparecem os irmãos Rossini, Múcio e Aldemar Miranda, inaugurando a Confeitaria Cisne, no nº 162, local bonito, elegante e moderno, onde era explorado o ramo de Confeitaria na parte da frente, e, ao fundo, imenso serviço de bar, onde imperava o famoso garçom Zé Américo, homem que sabia tudo.

A Cisne teve vida longa, funcionando por quase 25 anos, servindo à cidade e seu povo exigente, numa Natal adulta, aos americanos que chegavam.


Os irmãos Miranda eram simpáticos, atenciosos e amáveis, porém Rossini, por ser o mais extrovertido, era a figura principal. Delicado, simpático, paciente, de grande amabilidade e cara bonita, até quando ‘‘penduravam’’ uma despesa.

Nunca o vi de cara feia, facilitando em tudo a vida da freguesia. Havia de tudo na Cisne, e bebia-se de tudo.

Os ricos pediam whisky estrangeiro e a população média tomava rum, conhaque, cachaça. Mas a preferência era pela cerveja.

Existiam os cervejeiros especiais também.

Vi Xico Lamas, certa vez, apostar e ganhar, adivinhando três copos, com cerveja de três marcas diferentes: casco verde, casco marrom e casco preto.


Bozó

Havia os fregueses solitários, como o comerciante Omar Furtado, que vinha todo dia, às 10h da manhã, tomava duas cervejas e ia embora.

Pela manhã, entre os jogadores de bozó de cinco dados, era uma alegria presenciar uma partida do professor William Aires, o célebre professor de matemática do Atheneu.

Literatos, médicos, advogados e militares graduados também freqüentavam a Cisne.

De manhã, podia se encontrar ali Cascudo, Amaro Mesquita, General Leitão, Zé Aguinaldo, Pelusio Melo, Veríssimo Melo, João Medeiros Filho, sempre contando suas aventuras, João Machado Gordo, José Melquíades, membros da Federação de Futebol e outras entidades esportivas.

E a turma mais jovem, aprendendo o caminho, também passou a freqüentar a Cisne.

Era um movimento muito grande pela manhã, de tarde e de noite. Havia fregueses para todas as horas, assim como os ‘‘especiais’’. O Rei Momo, Wilson Maux, grande cervejeiro, Luizinho Doublecheck, Clóvis Guerreiro e muitos outros dos bares vizinhos, como a Baiúca e o Pk Bar, de Rui Praieiro, que vinham mudar de ambiente.
Certo dia, entrei no bar e, sozinho numa mesa, estava um rapaz moreno e simpático tomando uma cerveja.

Olhou para mim e, de dedo em riste, perguntou: ‘‘Você é que é Protásio Melo? Respondi que sim, e ele continuou: ‘‘Você escreveu um poema na Revista ‘‘Bando’’: Perdi no meu sonho a estrela da tarde, não foi? Respondi que sim, e ele disse: ‘‘Diga a Manoel Rodrigues que mude o nome de ‘‘Bando’’, que sugere cangaceiro, morte, sangue. Um poema bonito e lírico como o seu não devia estar ali’’. Então, perguntei: ‘‘quem é você’’? Disse: José Gonçalves de Medeiros.


Estava diante do poeta mais badalado do Rio Grande do Norte a elogiar um poema de minha autoria.

Na Cisne, se tramavam coisas e até golpes políticos.

Os estudantes do Atheneu também iam ao bar.

Mas como dinheiro de estudante é minguado, demoravam pouco tempo. Vi muito por lá o estudante apelidado de ‘‘Pecado’’, Danilo Bessa, Berilo Wanderley, Pompeu, Claudionor Filho.

Militares graduados de várias estrelas tomando discretamente whisky.

E corre o tempo, a Cisne prospera, aumenta a freguesia e começa a fazer parte da fisionomia de Natal. Do lado de fora, formavam-se rodinhas: médicos, advogados, jogadores de futebol, desportistas, bicheiros, vagabundos de toda espécie, pedintes.
A Cisne dos Miranda tornou-se um marco na cidade de Natal.



Minhas botas canguleiras





Nos idos de 43/45, no auge da presença dos sobrinhos do Tio Sam em Natal - os “galegos” como os chamávamos –, entre os meus cinco e sete anos, quando tudo era novidade até mesmo para os adultos, tomei muita Coca-Cola, mastiguei, masquei, muito chiclete daquele fininho, vi muita “gente grande” tomando cerveja em lata e fumando “Camel”, “Phillips Morris”, “Lucky Strike”.

Dos maços de cigarro vazios, fazíamos as “notas” para apostar biloca nos quintais vizinhos.

Como meu pai e um irmão mais velho trabalhavam em Parnamirim Field não faltavam as “cocas”, de segunda ao sábado de meio-expediente.

Geladeira nesse tempo era coisa de rico.

As garrafas escuras meu Pai as trazia, seis ou mais, do “Campo”, quase anoitecendo, bem acomodadas sob muito gelo e serragem, num depósito de madeira com alça.

Rafik de “Seu” Izidin (Nagib) da bodega, Doca de “Seu” Ruben (Câmara) da “Saúde” e Zelinho de “Seu” João (Vasconcelos) da padaria, olhos pidãos, pigoravam, quase todo santo dia, a tal novidade made in USA e bebiam, satisfeitos, arrotando a cada gole, pelo menos um copo. Era uma festa na rua Felipe Camarão, ali bem perto da Juvino Barreto...!

Washington, o mano mais velho – que deixara o emprego na “Força e Luz” e o Sindicato dos Eletricitários com um companheiro de diretoria chamado Jessé Pinto Freire –, era o Pagador-Geral do pessoal civil de Parnamirim, conhecendo deus e o mundo: brasileiro paisano ou fardado, de soldado raso a general americano.

Falando fluentemente inglês, nos dias e horas de folga, apesar dos renovados protestos de mamãe, farreava adoidado com os gringos – competentíssimo cicerone, “guia turístico” de largos conhecimentos em uma Natal de apenas uns 50 mil habitantes, até antes da guerra uma aldeia provinciana e quieta.

O “pacote”, em geral – pude saber, anos depois, já taludo -, além dos meretrícios mais manjados, o “baixo” (XV de Novembro, Beco da Quarentena, Bica da Telha e Rua São Pedro) e o “alto” (Maria Boa, Maria de Josino, Rita Loura), circunavegava também pelo Grande Ponto, Tavares de Lira, Canto do Mangue, Grande Hotel, Lagoa do Bonfim, Macaíba, São José e – pasmem todos – Fernando de Noronha! Para o tour no arquipélago chegava a patota a requisitar, nessas “missões”, B’s25 (Parnamirim-Noronha-Parnamirim) e hidroaviões Catalina (Rampa-Noronha-Rampa).

As desculpas (amarelas) para tantos deslocamentos eram as mais diversas: pagamento do pessoal civil, checagem de equipamentos e instalações, inspeções – o escambau. Nessas esbórnias todas por Natal e adjacências, à exceção de outra rota aérea Rampa-Lagoa do Bonfim-Rampa, os traslados terrestres eram todos cumpridos por jeep’s.

Raramente em “carros-de-praça” (os táxis de hoje), usados tão-somente quando as girl’s friend’s (leia-se “piranhas”) exigiam maior discrição e comodidade.

Parnamirim, a incipiente Vila de então, obviamente, face à proximidade dos chamados “escalões superiores”, era descartada de toda essa azáfama turística...

Saudades do meu irmão Washington ! Em um desses seus dias de turista irresponsável, chegou lá em casa, de-meio-lastro-a-queimado, na companhia de um aviador americano do tamanho de um bonde, galego rosagá, suado como os seiscentos.

Levou-me e a Netinho, um ano mais velho do que eu, à oficina de um seu amigo na Travessa Aureliano, na Ribeira.

Em meio ao alvoroço do estabelecimento, cheio de operários e clientes, “Seu” Edísio, o inventor das famosas flying boots, ajoelhado e risonho, tirou-nos as medidas, riscando sobre uma cartolina,um a um, os contornos dos nossos pés descalços.

Uma semana depois, sob os olhares mansos e risonhos de Othoniel e Maria, posávamos, na Praça Pedro Velho, para a máquina de Washington.

Nas canelas finas, brilhando mais do que espinhaço de pão doce, as famosas “botas dos americanos”, tão canguleiras quanto eu – que nasci na rua Ferreira Chaves, Ribeira velha de guerra...

AS BOTAS DOS AMERICANOS

Av Tavares de Lyra - Natal


Escritor e imortal da ANL, LENINE PINTO, em e-mail dirigido a Laélio Ferreira e Roberto Guedes, dá notícia acerca do "mais popular artigo produzido na cidade" durante a Segunda Guerra Mundial


Meus caros Roberto e Laélio,

Aqui vai a notícia sobre as famosas "botas de Natal" (ou flying boots), o mais popular artigo produzido na cidade durante a guerra e que os americanos espalharam pelo mundo nos pés dos pilotos do Air Transport Command (ATC) que transitavam por aqui antes de pularem para seus destinos nas frentes Egito-Mediterrânea, China-Birmânia-India e até na Russa.

Sabia-se, na época, que essas botas de meio-cano e boca folgada, feitas em couro do curtume artesanal de Epaminôndas Brandão, foram "inventadas" ou resultaram de um erro do mestre-sapateiro Severino Edísio da Silveira, ao confeccionar um modelo sob encomenda.

Não saíra como o cliente americano queria, mas este experimentou, gostou, o sucesso foi grande e imediato.


O estabelecimento de Edísio ficava na Travessa Aureliano, quase em frente à loja Paris em Natal, o magazine masculino chique da época, o que valorizava seu "ponto", aliás, fotografado para reportagem da revista LIFE sobre Natal (edição de 6.8.43: Air Transport Command Base – Under U.S. military men, a Brazilian airfield at Natal becomes the wartime crossroads of the world.).

Obtive cópias de algumas fotos dessa matéria, via Internet, graças ao nosso comum amigo Leonardo Barata.


Com o crescimento da demanda por tais botas, surgiram três ou quatro concorrentes, mas nem todos caprichavam no material empregado e o The Sat'd Weekly Post, editado em Parnamirim, numa matéria intitulada "Boots Boosts Sales of Largest PX" ("Botas aumentam vendas do maior reembolsável"), publicada em 19.6.45 - e embora reconhecendo o atrativo comercial das flying boots - investe contra a qualidade das mesmas: "elas não duram muito."

Bom, era artigo fino, para aviadores, não substitutos para as reiúnas da infantaria.

Por outro lado, o advogado Túlio Fernandes, em depoimento a Protásio Melo, levantou a hipótese de que essas botas teriam sido criadas por seu sogro, o discreto Pedro Nolasco, empresário do ramo calçadista, que instalara, sem que ninguém suspeitasse, "uma bela fábrica" na avenida Tavares de Lyra (prédio hoje pertencente à Tribuna do Norte) e ali confeccionara "as primeiras botas daquele tipo" (Protásio Melo, Parnamirim e Natal na II Guerra Mundial, p. 135.).

Marcelo Fernandes, irmão de Túlio e que trabalhava em Parnamirim, sabe que seu Nolasco era grande fornecedor de botas para exportação tax free.


Já o brigadeiro Ivo Gastaldoni, que serviu aqui como aluno e depois instrutor da USBATU (United States-Brazil Air Training Unit), discorrendo sobre a Base Aérea de Salvador, conta que, entre os prédios daquela Base, era tudo "terra batida, arenosa, com minúsculas pedrinhas que se infiltravam no sapato e incomodavam paca".

Essa peculiaridade - acrescenta - induziu à criação de um novo tipo de calçado que acabou sendo muito popular no Nordeste: era uma espécie de bota, cujo cano subia somente até o meio da canela.

Esta botinha impedia totalmente a entrada das pedrinhas, principalmente se usada por baixo da perna da calça comprida" (Ivo Gastaldoni, A ÚLTIMA GUERRA ROMÂNTICA/ Memórias de um piloto de patrulha, p. 119. Grifo, nosso).


Ninguém menos que o próprio Comandante-em-Chefe da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos, General Henry H. Arnold, para dirimir a questão.

Num artigo intitulado The Aerial Invasion of Burma, publicado no The National Geographic Magazine de agosto de 1944 (pp. 129-148), que obtive graças ao empenho e generosidade de Ronald Levinsoh, o general relata:


"O Original de Terry e os Piratas - No quartel-general da AAF [Army Air Forces] entraram dois jovens oficiais bem recomendados.

Um era o Coronel Philip G. Cochran, de Erie, Pennsylvania, piloto de caça com 34 anos de idade, que demonstrara notável espírito de liderança no Norte da África. Cochran ainda calçava suas botas de couro de Natal, com a bainha das calças enfiadas nelas..." (Grifo, nosso)



Outro produto que fez muito sucesso foram as "Natal Bags", cópias das sacolas carry all anunciadas no catálago da SEARS. Heider Mesquita, filho do proprietário da Natal Modelo, contou-me que alguns americanos chegavam na loja com os canos das botas entulhados de dinheiro e enchiam tais sacolas com meias de seda das marcas Leda e Lídice (fora das caixas e bem socadas para caberem mais).

Quando o pai conseguia, na base de "pistolão", disponibilidade nos aviões da Cruzeiro e da Panair para trazê-las do Rio e São Paulo, as vendas alcançavam cerca de dez mil pares a cada 15/20 dias.

Receita de 30 a 40 mil dólares/semana, assim mesmo inferior ao faturamento da concorrente Casa Rio.


Clyde Smith Jr., reportando-se ao movimento do PX (Post Exchange) de Parnamirim - que considera "o maior do mundo" com base em informações de The Official History of the South Atlantic Division-ATC: "quase US$50,000.00 em um único dia" - assinala que os artigos mais procurados ali eram as botas, relógios suíços e... meias de seda" (Clayde Smith Junior, Trampolim para a Vitória, p. 105), justamente aqueles destacados na edição da LIFE, acima mencionada.

Disponham sempre do seu amigo,


A primeira dama de Natal



Natal, década de 40 - A cidade fervilhava de militares americanos e brasileiros. Aviões, hidroaviões, Catalinas e Jeeps patrulhavam a vida dos natalenses.

Instalava-se na cidade a paraibana de Campina Grande, Maria Oliveira Barros (24/06/1920 - 22/07/1997). Começava neste ínterim a história da mais conhecida casa de tolerância do estado (do país ou do mundo?).

Entre as movimentações na Ribeira, nas pedidas de Cuba Libre no saguão do Grande Hotel, nas notícias pelas Bocas de Ferro, na Marmita, em Getúlio e em Roosevelt e na nova geração de meio americanos e meio brasileiros, lá estava Maria Barros enaltecendo-se na Cidade do Natal como a proprietária do melhor (ou maior) cabaré.

Tornou-se conhecida como Maria Boa.

Mesmo com pouco estudo ela despertou o gosto por música, cinema e leitura. O seu "estabelecimento" era o refúgio aos homens da cidade, com residência fixa ou, simplesmente, por passagem por Natal.

Jovens, militares e figurões acolhiam-se envoltos as carnes mornas das meninas de Maria Boa. Muitas mães de família tiveram que amargar, em silêncio, a presença de Maria Boa no imaginário de seus maridos em uma época de evidente repressão sexual.

Vários fatos envolveram a personagem.

O episódios mais comentado foi a pintura realizada pelos militares em um avião B-25. Um dos mais famosos aviões da 2a Guerra Mundial, os B-25 eram identificadas com cores características de cada Base Aérea.


Os anéis de velocidade das máquinas voadoras da Base Aérea de Salvador eram pintados com a cor verde. Os aviões de Recife, com a cor vermelha, e os de Fortaleza, com a cor azul. Para a Base de Natal foi convencionada a cor amarela.

Os responsáveis pela manutenção dos aviões em Natal imaginaram também que deviam ser pintados no nariz do avião, ao lado esquerdo da fuselagem junto ao número de matricula, desenhos artísticos de mulheres em trajes de praia.

MacArthur's Airmen - North American Aviation B-25 “Mitchell” - Medium Bomber



Autorizada pelo Parque de Aeronáutica de São Paulo, a idéia foi colocada em prática. Pouco tempo depois, os B-25 de Natal surgiram na pista com caricaturas femininas e alguns até com nomes de mulheres.

Alguns militares da Base escolheram o B-25 (5079), cujo desenho se aproximava mais da imagem de Maria Barros. Outras aeronaves também receberam nomes como "Amigo da Onça" e "Nega Maluca".


Quem custou a acreditar neste fato foi a própria Maria.

Até que alguns tenentes decidiram levá-la até à linha de estacionamento dos B-25 logo após o jantar para não despertar a atenção dos curiosos. Ela constatou o fato. As lágrimas verteram de seus olhos quando viu à sua frente, pintada ao lado do número 5079, a inscrição "Maria Boa".

O mito "Maria Boa" rendeu trabalhos acadêmicos como o da Sra. Maria de Fátima de Souza, intitulado: "A época áurea de Maria Boa (Natal-RN 1999)".

O trabalho aborda o
"fenômeno da prostituição infanto/juvenil, suas conseqüências e causas no desenvolvimento físico e psicossocial de crianças e adolescentes(...).

Com o aprofundamento dos estudos percebemos o importante papel dos bordéis na prostituição, bem como o fechamento dos mesmos(...).

Chegamos então ao cabaré de Maria Boa, já fechado.

Tivemos, assim, a oportunidade de conhecer um pouco da saga da Sra.


Maria de Oliveira Barros, uma profissional do sexo, com grande importância na história da prostituição de adultos, ou ainda, tradicional; das histórias contadas a seu respeito chamou-nos atenção para sua representação social, seu "mito" e sua ligação com o imaginário masculino.

Com isso, passamos a averiguar mais profundamente uma participação na sociedade da época e buscamos reconstruir parte de sua história enquanto meretriz, cafetina, e proprietária da mais famosa casa de prostituição que o RN já conheceu."

Em 26 de março de 2003 o cantor Valdick Soriano, quando entrevistado por Everaldo Lopes, registrou que quando esteve em Natal, pela primeira vez, cantou até para as meninas de "Maria Boa".

Hoje bebe-se Maria Boa em alguns bares de Natal. Uma mistura de creme de cassis, vinho branco ou champanhe embriaga as lembranças da maior cafetina da cidade.

O Professor Assistente do Departamento de Letras Márcio de Lima Dantas publicou e 28 de abril de 2002 o texto "Retratos de silêncio de Maria Boa".

"(...)Para além da atitude ética de proteger sua família, o que faz parecer um jogo com a hipocrisia da sociedade, penso que, na atitude de se manter reservada, se inscreve um outro aspecto digno de ser ressaltado. Falo do mito que entorna a personagem Maria Boa, de certa maneira, criado e ritualizado por ela mesma, dimensão de fantasia para além do empírico vivenciado. (...).

(...) Astuciosamente se fez conhecer por "Maria", o antropônimo mais comum no universo feminino, genérico e pouco dado a divagações semióticas. Ironicamente é o nome da mãe de Jesus... Quem não tinha conhecimento no Estado de uma proprietária de um requintado lupanar, e que se chamava Maria, a Boa.

O mito, da constituição do éter, era aspirado por todos, preenchendo necessidades, ocupando lugares no espírito, imprimindo fantasias nos adolescentes, despertando em jovens mulheres às aventuras da carne, engendrando adultérios imaginários.

Integrava, assim, o patrimônio individual e coletivo. (...)"

Eliade Pimentel, no artigo "E o carnaval ficou na memória" destaca a presença de Maria Barros nos carnavais de Natal:

Lá pela década de 50, os desfiles passaram a acontecer na avenida Deodoro da Fonseca. Maria Boa desfilava com Antônio Farache em carros conversíveis,"

O Jornalista Agnelo Alves quando escreveu o artigo "A Natal que governei e o 3º Milênio" citou o cabaré de Maria Boa como ponto de referencia geográfica para informar sobre as suas obras quando prefeito de Natal.

"(...)Desobstruir para crescer.

Alargar para trafegar. Conversei com os arquitetos João Maurício Miranda e Daniel Holanda. Como fazer? Lancei o desafio. Sem a contra-partida de nenhum pagamento, os dois me apresentaram o esboço da solução, surgindo daí o primeiro Plano Viário de Natal com a primeira estação metropolitana da cidade.

Asfaltar a Hermes da Fonseca até o contorno com a Praça Aristófanes Fernandes, seguindo daí em linha reta até a Duque de Caxias. Ponto um.

Asfaltar a Duque de Caxias, subindo pela Junqueira Aires, via Praça das Mães, pegando a lateral por trás do Tribunal de Justiça (hoje OAB) até a Praça André de Albuquerque, prosseguindo pela Praça das Laranjeiras, Padre Pinto, sobrando em Maria Boa para sair na lateral do cemitério, já no Alecrim, ou numa primeira etapa prosseguir pela Padre Pinto até o Baldo e aí tomar o rumo do Alecrim.(...)"


Maria Barros é história. Mesmo sendo paraibana é a Primeira Dama (ou anti-Dama) de Natal. Impera nas lembranças dos seus contemporâneos e se faz presentes nos prostíbulos que ainda resistem nas periferias da cidade ou travestidos de casas de "drinks" nos bairros mais nobres.

Maria Barros é citada no filme For All - O Trampolim da Vitória (vencedor do Festival de Gramado em 1997, com os prêmios de melhor filme brasileiro, melhor filme do júri popular, melhor roteiro, melhor direção de arte e melhor trilha sonora de filme brasileiro), de Luiz Carlos Lacerda e Buza Ferraz.

O filme retrata a cidade do Natal em 1943 quando a base americana de Parnamirim Field, a maior fora dos Estados Unidos, recebe 15 mil soldados, que vão se juntar aos 40 mil habitantes da cidade.

Para a população local a guerra possuiu vários significados.


A chegada dos militares americanos alimentou fantasias de progresso material, romance e, também o fascínio pelo cinema de Hollywood.

Em meio aos constantes blecautes do treinamento antibombardeio, dos famosos bailes da base aos domingos, dos cigarros americanos, da Coca-Cola e do vestuário estavam os sonhos natalenses. Sem questionamentos, "Maria Boa" foi uma das principais atrizes no elenco desse belicoso teatro.

A Primeira Dama Maria Boa...


Natal - Uma pitada de História



Por que cidade do Natal?

Porque assim a chamou o capitão-mor Jerônimo de Albuquerque, que, enviado de Felipe II, rei de Espanha e Portugal, para colonizar o território e coibir o abuso dos piratas que aqui traficavam pau-brasil com a ajuda dos índios Potiguares - naquela clara manhã do dia maior da cristandade, em 1599. Pura e singela homenagem ao 25 de dezembro.

O local exato do primeiro marco

Um terreno elevado e firme, de impressionante beleza selvagem, a meia légua do Forte dos Reis Magos, foi o local escolhido pelo fundador (pernambucano, mameluco, filho de valente oficial português e mãe indígena) para lá fincar o pelourinho, símbolo do poder real e marco inicial duma cidade que nascia sob o signo da Estrela de Belém. É a atual praça André de Albuquerque, na Cidade Alta.

Melhor pau-brasil da costa

Trecho duma carta, datada de 1564, do próprio punho de Jerônimo de Albuquerque, filho do primeiro donatário, a El-Rey; "Necessário se fazer povoar a capitania, antes que os franceses o façam, franceses que daqui levam, todos os anos, naus e mais naus carregadas de pau-brasil, por sinal o melhor de toda a costa".

Trinta e cinco anos depois, El-Rey acreditou ser hora de agir.

Os piratas, agora não somente franceses, mas de todas as nacionalidades, agiam impunes por todo o litoral e alguns tomavam atitudes de verdadeiros senhores da terra. Para pôr fim à traficância, foi autorizada a construção de um forte.

O Forte dos Reis Magos

O formato é semelhante a tantos outros fortes marítimos, disseminados ao longo da costa brasileira.

É uma sólida construção em forma de polígono estrelado, medindo 64 metros de comprimento e erigido em cima de arrecifes, ficando ilhado em maré alta, a 750 metros da barra.

Iniciado em 6 de janeiro de 1598, daí a sua denominação.

Em 1608, Dom Diogo de Menezes, Governador Geral, informava que a "povoação está feita, mas não tem gente".

Mesmo assim, três anos depois, considerava-a, oficialmente, como município.

Mas, em 1614, apenas 14 casas contavam-se na cidade, menos de uma por ano, desde a fundação. Em 1671, as estatísticas não espelhavam melhoria: existiam 60 casas. Somente.

Os ferozes Potiguares, inimigos dos portugueses

As relações inamistosas entre colonos e as nações indígenas aqui sediadas, como Potiguares e mais Cariris e Janduis, principalmente os Potiguares, eram o grande entrave e fonte permanente de desassossego.

Curioso - os Potiguares sempre foram visceralmente hostis aos portugueses.

Antes da colonização, eram excelentes amigos dos franceses. Depois, constituir-se-iam em força auxiliar de decisiva importância para a vitória das armas holandesas.

Talvez o motivo fosse de simples tratamento. Enquanto os adventícios os tratavam de igual para igual, os lusitanos nunca se esqueciam que eram não só os novos senhores da terra, como de quantos a povoavam. E, não raro, procuravam, à força, reduzi-los à escravidão.

A figura de Felipe Camarão

Somente na guerra pela restauração pernambucana, os Potiguares olvidaram velhas rixas e uniram-se aos portugueses e negros, na primeira amálgama da raça, para a expulsão do holandês invasor. Aí surge a figura do nosso primeiro herói, o cacique Felipe Camarão, amigo de Henrique Dias e André Vidal de Negreiros, aliado de João Fernandes Vieira.

As envenenadas flechas de seus temíveis guerreiros muito contribuíram para a total expulsão dos flamengos.

Tremula outra bandeira no Forte dos Reis Magos

Vinte anos duraria o domínio batavo no Rio Grande do Norte, desde aquele dezembro de 1633, quando 14 naus, sob comando do almirante Lichthardt, abriram fogo sobre o forte, enquanto Baltazar Bijama, por terra, com dez companhias fortemente municiadas (desembarcadas em Ponta Negra) completavam o cerco.

A resistência foi quase quixotesca dada a desproporção das forças.

Oitocentos contra oitenta. Mesmo assim, o capitão Pero Mendez de Govea ganhou a admiração dos vencedores, merecendo honras militares.

Arriada a bandeira lusa, outro pavilhão foi içado e tremulou no forte, que passou a chamar-se Castelo Ceulen, a bandeira da Companhia das Índias Ocidentais.

Quando Natal foi Nova Amsterdã

A imaginação popular atribui grandes modificações, e notáveis feitos, realizados sob inspiração dos holandeses nas duas décadas em que Natal foi crismada de Nova Amsterdã.

Nada mais falso.

O próprio Maurício de Nassau, após inspeção em 1638, queixava-se à alta administração de sua Companhia, que a "terra era muito decaída, devastada pela guerra, e precisando de tudo".

Progresso a conta-gotas


O panorama não mudou grande coisa com a reintegração à soberania lusitana.

Durante séculos e séculos, a cidade dormiu pachorrenta, esquecida de todas as administrações centrais, em verdadeiro progresso a conta-gotas, fossem elas exercidas por reis, vice-reis, regentes, imperadores e presidentes da República.


Inicialmente, fez parte da Província da Bahia. Durante todo o Brasil-Colônia, gravitou à órbita de Pernambuco. Atingiu foros de província em 1817.

Salto para a frente

Somente em 1942, quando Getúlio Vargas e Franklin Delano Roosevelt acertaram os ponteiros no histórico encontro de Parnamirim, para a soma de esforços pela vitória sobre o Eixo, Natal despertou de seu longo sono de cidade pobre, sem indústria e comércio e de apenas 40 mil habitantes (até início da quarta década do século XX).

Foi preciso uma guerra para transformar um pequeno burgo em Trampolim da Vitória. E para que a cidade lendária, surgida às margens do Potengi, desse o seu salto para a frente.

Em 1942, a II Conflagração Mundial, iniciada na Europa, transferira o seu campo de ação para o Continente Negro, mais precisamente para a África Ocidental.

E Natal, dado a ser o ponto mais próximo da África, distante apenas horas de vôo de Dakar, teve a sua posição estratégica ressaltada.

Forçoso era aparelhá-la para prevenir o futuro e para transformá-la realmente em Trampolim da Vitória.

Pela Base de Parnamirim, construída em tempo recorde, transitavam, às centenas por dia, aviões a transportar tropas, armamentos e víveres para os soldados de Montgomery em sua luta de vida e morte com o orgulhoso marechal Von Rommel.

Aqui, concentraram-se grandes contigentes militares, brasileiros e americanos.

Praça de guerra

Natal foi considerada, então, praça de guerra. E viveu uma trepidante fase, com suas ruas repletas de soldados de todas as nacionalidades, um dos pontos escolhidos por americanos, canadenses e ingleses para as suas horas de licença. Em meses, a população duplicava e a cidade expandia-se em ritmo febril.

Este impulso vitalizador embalou a cidade para o futuro.

Mesmo quando o ambiente militar foi substituído pela rotina dos tempos de paz, a cidade não parou de crescer.

Data deste tempo a ampliação da Base de Parnamirim e a construção da Base Naval, Dique-Seco e quartéis de unidades do Exército.

Natal dos Idos 40


Como era Natal nos anos 40? Natal era cidade modorrenta e provinciana, 40 mil habitantes espremidos entre Ribeira e Cidade Alta, até a avenida Deodoro, se muito.

O resto era a pobreza franciscana das Rocas, os sítios do Tirol, a mata de Petrópolis, o Alecrim ensaiando os primeiros passos.

Sem muitas perspectivas. Mesmo os filhos da terra, faziam feroz autocrítica.

- Cidade do já teve, classificavam, ironizando a apatia reinante, onde a maioria se masturbava sadicamente quando iniciativa das mais audazes entrava em colapso. - Uma fazenda iluminada, nada mais, definia João Machado.

Mas, assim como as pessoas, as cidades têm o seu instante de afirmação, o seu dia de superação, o empurrão providencial, o chamado passo a frente decisivo e consagrador.

Para Natal, este momento foi a II Grande Guerra, ou, para sermos mais minudentes, justamente na fase em que, triunfantes e arrogantes - ocupadas e vencidas a Polônia, a França, os Países Baixos e Nórdicos, humilhada a Inglaterra no desastre de Dunquerque - os germânicos voltaram cobiçosos olhos para as reservas petrolíferas do Continente Negro.

- Estamos vivendo os primeiros anos do I Milênio do III Reich - perorava Hitler em seus histéricos discursos.

E, de fato, a Germânia parecia a senhora do mundo, com suas moderníssimas armas, as blitzs, o rolo compressor das pan-diviziones, as minas espalhando terror pelos mares do mundo.

Os aliados, então, concluíram que se os nazistas realmente se apoderassem do petróleo africano, tudo estaria perdido.

E resolveram enfrentar o invicto Von Rommel de peito aberto, frente a frente, na base do agora ou nunca.

E onde entra Natal neste imbróglio, perguntarão vocês.

Natal, que dormitava sonolenta
Natal, dos tempos idos de 40
Recordo os belos bailes do Aéro
Num banco da Pracinha, ainda lhe espero
No Rex, sessão das moças, Quarta-feira
Natal, Cidade Alta e Ribeira
O bom você não sabe e eu lhe conto
O footing, à tardinha, no Grande Ponto!

É que Natal, como cidadela mais próxima da costa africana, era ponto estratégico por excelência,de importância vital, reconhecida e proclamada posteriormente como Trampolim da Vitória.

E pela Base de Parnamirim passaram a transitar, às centenas, diuturnamente, fortalezas voadoras transportando tropas, armas e víveres para fronts até então desconhecidos internacionalmente, mas que seriam celebrizados mais tarde como Tobruck e El Alamein, como os primeiros grandes passos da grande arrancada que seria, daí por diante, a caminhada até a parada final em Berlim.

Enfim, a suspirada "virada" que transformaria os até então vencidos em vitoriosos.

Para garantir esta operação-África, foi preciso o suporte e o apoio logístico de milhares de brasileiros e estrangeiros, principalmente americanos que estabeleceram uma praça de guerra chamada Natal.

Uma base naval foi construída em tempo recorde, ampliadas e triplicadas as instalações da base aérea, construídos quartéis à toque de caixa, para alojar não apenas os infantes, mas grupos de artilharia antiaérea, de carros de combate, transferidos do sul do país.

Foi a época das noites de blecaute, do receio de ataques inimigos, dos ricos a construir abrigos sofisticados em suas residências e a Prefeitura a cavar abrigos populares em praças e terrenos baldios.

Eu disse, acima, praça de guerra? Pois era.

Um dia, tudo se modificou
O burgo se internacionalizou
Nas ruas, o alegre do my friend
Moçada, pela mímica, se entende
Natal entrou fardada na História
Para ser o Trampolim da Grande Vitória
Valeu o sacrifício do seu povo
Na guerra, meu Natal nasceu de novo!

E além do soldado e do marinheiro verde-amarelo, tornaram-se figuras corriqueiras a povoar avenidas, ruas e becos da cidade, gorros de marinheiro e fardas cáqui dos my friends.

Digo mais: quando a batalha africana atingia o seu clímax, Natal passou a ser a cidade-descanso, a cidade dos dias de licença dos combatentes.

E o que almejava um jovem de 21, 22 anos, com os bolsos cheios de dólares, doidos para esquecer a loucura dos campos de batalha e as longas vigias a bordo de belonaves? Divertir-se, gozar o hoje em toda plenitude, pois o amanhã era uma incógnita.

Na Cidade, então, floresceu um estranho comércio de bares, restaurantes, casas noturnas, joalheiros, grandes magazines, mercadores de mil e uma especiarias, 99% dirigidos por aventureiros de todas as nacionalidades e pátrias.

Os quais, como tão céleres e misteriosamente aqui se instaram, também, num abrir e piscar d`olhos, cerraram portas e fizeram malas.

Quando terminada a Batalha da África, com a vitória aliada, as operações militares retornaram ao continente europeu, começando pela bota italiana da Sicília.

Mas, voltando aos idos 40, era natural, pois, que num clima de febricidade como aquele, houvesse freguesia para todos os gostos, mesmo os paladares mais requintados, a exigir bombons de luxo, doces em conserva, bebidas finas, artigos enlatados e conservas em geral.

Como disse o compositor em música, "na Guerra, meu Natal nasceu de novo". Foi. Porque, desde então, o progresso instalou-se definitivamente como artigo de fé no burgo, arquivada, bem arquivada, aquela maldição e pecha infamante de terra do já teve.

Como quem queria recuperar o tempo perdido, Natal nunca mais parou de crescer, de expandir-se e ampliar-se em novos horizontes, de abrir novas artérias e, das artérias, multiplicar-se em novos bairros, povoando-os de belas residências.

O comércio, então, tornou-se tentacular, cada dia maior, ganhando a Cidade Alta, atingindo com força total o Alecrim.

Um pequenino detalhe que virou rotina e que até então ninguém dava a mínima importância: quem chegava ao burgo gostava de seu jeitão, do clima, da brisa que sempre sopra, vinda do Atlântico mesmo nas tardes mais quentes. Da beleza paradisíaca de suas praias.

Da maneira de ser do seu povo simples, a transformar, em cinco minutos, em amigo do peito, cidadão a quem nunca vira mais gordo, e a levá-lo para sua casa e a franquear-lhe as delícias de sua mesa típica.

A carne seca com feijão verde, macaxeira, farofa de bola, manteiga de garrafa, peixada, a caranguejada, o sarapatel, camarões, lagosta, a boa caninha com caju de conta.
Sim! E suas mulheres, lindas e esculturais? De virar cabeça!
Acrescente-se este ar de permanente feriado que a cidade tem, a pedir pernas para o ar, lazer, languidez, alegria, boemia, violão, seresta, amor...


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