12/11/2010

Heranças de guerra

Heranças de guerra

Amapá guarda ruínas da base militar americana que defendeu o Atlântico e protegeu a entrada da Amazônia na 2a Guerra Mundial





As ruínas da velha oficina mecânica estão cobertas pela mata. Tratores, caminhões e tanques de fabricação americana, enferrujados pela ação do tempo, destacam-se na paisagem verde, nos arredores da cidade do Amapá, situada a 306 km de Macapá (AP). Das residências dos soldados, restaram apenas os pisos de cimento e lajota, escondidos no bosque de ameixeiras.

A 500 metros dali, duas pequenas inclinações do terreno plano, forradas por vegetação rasteira, preservam no subsolo os antigos paióis de armamentos, como 50 anos atrás.

No alto de uma torre metálica, o farol de sinalização dos aviões de combate que ali pousavam funciona até hoje. Na frente dele, o poço artesiano, o reservatório de água, o almoxarifado-geral e os escombros da casa de bombas hidráulicas dão pistas sobre o poderio do lugar no passado.

De fato, esse grotão do extremo-norte do país, localizado a 284 km do Oiapoque, guarda um patrimônio que poucos brasileiros conhecem ou ouviram falar: os vestígios da base aérea construída pelos Estados Unidos em plena Amazônia durante a 2ª. Guerra Mundial.

Em 1942, uma semana após o Brasil aderir à guerra contra alemães e italianos, uma delegação de engenheiros, arquitetos e topógrafos dos Estados Unidos, França e Inglaterra começou a construir a base militar do Amapá.

O local era considerado estratégico para a patrulha do Oceano Atlântico contra uma eventual incursão inimiga nas Antilhas Holandesas, chegando à porta de entrada dos Estados Unidos.

Durante a guerra, o Amapá foi também o primeiro ponto de abastecimento das aeronaves americanas que se dirigiam até outra base construída no Brasil, na cidade de Parnamirim, próximo a Natal (RN), de onde partiam para o combate na Europa.

Registros da Aeronáutica indicam que pelo menos 21 aviões pousaram na cidade do Amapá durante viagens até Natal durante a guerra.

Esses redutos americanos em território nacional atuavam também na vigilância do Atlântico Sul. Além das bases aéreas, os portos de Recife e Salvador foram liberados para a Marinha americana.

Formava-se o “Cinturão do Atlântico”, que compreendia a faixa mais estreita entre a América do Sul e a África, onde as operações foram intensificadas. Era uma questão de estratégia.

Com o Canal de Suez, ligando o Mediterrâneo ao Mar Vermelho, bloqueado para embarcações alemãs e italianas, a parte sul do Oceano Atlântico passou a ser a via de acesso para os países inimigos obterem na Ásia a matéria-prima necessária à fabricação de armas.

Como navios mercantes eram alvos fáceis dos bombardeios, a Alemanha passou a utilizar submarinos para essa tarefa.

Entre as 65 embarcações inimigas afundadas no mar territorial brasileiro durante a guerra, nove foram submarinos, alvejados bem próximo à costa do Norte e Nordeste.

Um dos marcos mais importantes desse tempo, ainda hoje de pé na base do Amapá, é a torre de atracação de dirigíveis – pequenos zeppelins, chamados de “blimps”, que faziam a patrulha anti-submarina e a escolta de comboios de navios no Atlântico.

No Brasil, os americanos tinham 16 “blimps”, divididos em quatro esquadrões, um deles com atuação no Amapá. Cada um levava até quatro tripulantes e uma bomba.

Em fevereiro de 1944, na costa amapaense, esses dirigíveis de guerra resgataram sobreviventes de dois aviões B-25 acidentados na selva. “É uma pena que a memória desse tempo esteja sendo apagada”, lamenta Naíde de Assunção Pereira, 50 anos.

Naíde nasceu na base, quando a 2ª Guerra Mundial chegava ao fim, e hoje mora nos fundos da antiga lavanderia dos soldados. Seu tio, o cearense Paulo Lemos, já falecido, trabalhou como guarda dos aviões.

O pai, Francisco Assunção, era dono de uma mercearia que vendia um pouco de tudo, de cereais a tecidos, para os militares e para as famílias que chegavam àquelas paragens em busca de oportunidades.

Na região onde a floresta amazônica se desfaz em cerrado e campos alagadiços cheios de búfalos, margeando o Atlântico um pouco acima da linha do Equador, a construção da base americana foi motivo de esperança de desenvolvimento.

Durante a guerra, os alojamentos receberam aproximadamente 2 mil militares em vários períodos. No rastro deles, chegaram prestadores de serviços diversos, o comércio floresceu e surgiram inúmeras fazendas de gado.

A população local cresceu com as promessas de emprego numa fronteira do país ainda inexplorada.

“Existia aqui uma cidade de primeira categoria construída pelos Estados Unidos, limpa e imunizada contra insetos, como os carapanãs, que hoje infernizam nossa vida”, recorda-se Raimundo Dário dos Santos, 79 anos.

O morador, que atualmente reside no prédio onde funcionava o frigorífico da base, migrou do Pará sete anos após o fim da guerra, na esperança de pegar o bonde do desenvolvimento deixado pelos americanos.

Mas a esperança não durou muito. A base foi desativada após a guerra, em 1946, e passou para as mãos da Força Aérea Brasileira (FAB), que montou ali o Centro Aéreo de Treinamento. Com a saída dos estrangeiros, a região entrou em decadência, passando a ser refúgio de garimpeiros que até hoje exploram ouro nos rios encachoeirados das redondezas.

Atualmente, a economia do município é sustentada por criações de búfalos, entrepostos pesqueiros e cultivos agrícolas que sobrevivem a duras penas sem acesso a tecnologias de produção.

Quase dez anos após a retirada americana, o silêncio no qual a base havia mergulhado foi interrompido por um fato histórico.

A chegada do presidente argentino deposto, Juan Perón (1895-1974), que fugia de perseguições em seu país e no Paraguai, onde ficou inicialmente exilado.

Em 1955, após passar por São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, tendo o pouso negado pelas autoridades, acabou aterrissando na cidade do Amapá.

A acolhida foi autorizada apenas para o reabastecimento da aeronave, um C-47 do transporte militar paraguaio. Naquela época, a cidade era capital do antigo Território Federal do Amapá. Perón hospedou-se na casa do então governador, Amílcar Pereira, e ganhou dele a gasolina para continuar o vôo até Manágua, na Nicarágua, país que lhe oferecera asilo.

“O que restou da base americana poderia ser transformado em pólo cultural e receber visitantes de várias partes do país e até do exterior”, ressalta Clécio Lopes Moreno, 67 anos, chefe do Grupamento de Navegação Aérea da Infraero na localidade.

A sugestão faz sentido, tendo em vista que a rodovia que corta o município – e que hoje está sendo asfaltada – é rota para a Guiana Francesa, território que ainda hoje é colônia da França.

A idéia de dar nova vida ao lugar teve início em 1998, quando o então governo do Amapá tentou criar ali um museu a céu aberto, hoje abandonado.


O prédio onde se localizava o antigo posto médico dos americanos, reformado para guardar peças e documentos da época, está vazio e tomado pela poeira.

As placas de sinalização das ruínas estão cobertas pela ferrugem. E muitas instalações, como os depósitos de alimentos, foram ocupadas por pessoas que não tinham onde morar, além dos parentes dos antigos funcionários da base.

No total, 70 famílias vivem hoje nos antigos prédios erguidos pelos americanos.


Até quando esse patrimônio histórico resistirá ao tempo? Em maio de 2005, a Aeronáutica desativou o aeroporto local, que recebia vôos particulares e tinha um terminal de passageiros. Motivo: falta de manutenção na pista – problema que se arrasta há dois anos, contribuindo para isolar o município e atrapalhar o seu crescimento. O abandono atinge também a torre de atracação dos famosos zeppelins, tomada por colméias e casas de marimbondos, e a pista onde esses balões pousavam, quase soterrada pela vegetação.

Se os monumentos em ruínas da cidade correm risco de desaparecer com a memória dos moradores, novos vestígios daqueles tempos afloram nas matas dos arredores. Na medida em que mais trilhas são abertas na densa floresta amazônica, sinais dos antigos tempos de guerra espantam os caboclos. Foi o que aconteceu com o garimpeiro, conhecido como “Comprido Velho”, que há 10 anos encontrou no meio da mata um avião B-24 americano, quando caçava nos arredores do Rio Cassiporé.

Após a divulgação da notícia, uma equipe de 22 soldados do Batalhão de Infantaria de Selva resgatou a aeronave, que estava coberta pelo limo e ainda preservava as metralhadoras anticaça. Foram também encontrados os restos mortais dos militares acidentados.

Novos achados podem vir à tona. As atenções agora se voltam para o mar, embora a tarefa seja muito difícil: encontrar dois submarinos alemães, o U-7662 e o U-590, que naufragaram nas águas turvas do litoral amapaense, perto da foz do Rio Amazonas, alvejados pelo bombardeio aéreo das aeronaves que decolavam da velha base americana da cidade do Amapá.

Descobrir as embarcações significa montar mais um pedaço desse quebra-cabeça para resgatar os fatos desse importante período da história mundial.


Conflito no litoral Embarcações alemãs foram afundadas na costa brasileira


A posição geográfica estratégica em relação à Europa, África e Ásia levou o Brasil a entrar na 2a Guerra Mundial.

Após várias negociações com os Estados Unidos, o presidente Getúlio Vargas rompeu relações com Alemanha e Itália e autorizou a instalação de bases americanas no Brasil. A base militar de Parnamirim (RN) era a mais importante.

De lá decolaram entre 400 e 600 aviões para o combate na Europa e para a vigilância do Atlântico Sul, formando um cinturão de 1.700 milhas entre Natal e Dacar, na África.

Em troca, os Estados Unidos financiaram a criação da Companhia Siderúrgica Nacional e o programa de incentivo à produção de borracha na Amazônia, produto que se tornara escasso devido ao avanço japonês na Ásia.

O Brasil passou a fornecer aos americanos materiais estratégicos como bauxita, berilo e manganês e recebeu armas modernas.

Fonte:Colaboração :Cesar Magno MonteiroTexto: Sérgio Adeodato

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