18/07/2011

Acidentes Aéreos

Acidentes Aéreos




Um breve comentário acerca do enorme volume de desinformação publicado na imprensa leiga quando acontece um desastre de avião.


Para não fugir à regra, no caso Air France (AF 447), os recentes e deploráveis vazamentos de informações supostas e fragmentadas servem para prestar imenso desserviço à confiabilidade da indústria do transporte aéreo, a despeito de todas as estatísticas confirmarem seus altos índices de segurança.

Foi um gigantesco ventilador, como um turbofan, espalhando globalmente, em todos os azimutes, as mais variadas suspeitas pela atmosfera. Digo suspeitas, porque essa é a palavra política, jurídica e aeronauticamente correta, já que o inquérito oficial não está concluído.

O prejuízo é geral, vai do consórcio fabricante do avião, passa pela reputação dos tripulantes e chega à tradicional empresa aerotransportadora, uma das mais respeitadas do planeta.

A imprensa, como é óbvio, cumpre o seu papel de informar; qualquer censura ou limitação, além de estúpida, seria afronta à Constituição. Mas, no Estado de Direito Democrático, a imprensa é das poucas instituições que têm compromisso teleológico com a verdade, ou seja, a verdade é a razão de ser da imprensa.

Em um acidente de aviação, consoantes padrões universais, a busca da verdade é feita mediante uma investigação, que segue procedimentos técnicos formais minuciosos, altamente especializados.

Ao contrário do que acontece em inquéritos criminais ou administrativos, a investigação de um acidente aeronáutico não tem o objetivo de apurar responsabilidades penais e de punir ninguém.

Trata-se apenas de apurar causas, estabelecer nexos, tirar lições, determinar medidas preventivas que venham a impedir ou a reduzir a probabilidade de outro acidente por motivo semelhante.

São raros dois desastres de avião por idênticas razões. Mas acontecem. Foi o caso dos elegantes De Havilland Comet, os primeiros jatos comerciais, cuja sequência de acidentes, entre 1953 e 1954, demandou custosa e demorada investigação. Quando a solução foi encontrada, já era tarde; os britânicos haviam perdido a corrida técnica e comercial para o Boeing 707 e o Douglas DC-8.

Assim como foi Santos-Dumont quem inventou o avião, pode-se dizer com segurança que os irmãos Wright inventaram o desastre de avião.

Não vai aí nenhuma patriotada, despeito ou desconsideração pelo brilhante trabalho dos dois pioneiros norte-americanos.

Mas a verdade é que, no dia 17 de setembro de 1908, o Tenente Thomas Selfridge morreu quando a hélice quebrou e a aeronave de Orville Wright espatifou-se.

Wright escapou com apenas uma perna fraturada e o jovem e desafortunado militar teve a duvidosa distinção de ter sido a primeira vítima fatal de acidente de avião da história.

Poucos anos depois, em 1915, na Guerra do Contestado, em Santa Catarina, foi a vez do jovem Tenente Ricardo Kirk, o primeiro oficial brevetado do Exército Brasileiro, que também perdeu a vida.

Qualquer aviador sente-se pessoalmente afrontado quando recebe notícia de um acidente. Não importa onde.

Os aviadores amam os aviões e quando um deles cai é um prejuízo para o património imaterial de cada um.

Mas os desastres de aviação não se reduzem à perda de aviões, que no fundo são simplesmente máquinas, por mais que gostemos delas.

Os acidentes, em regra, envolvem pessoas, seres humanos, pilotos e passageiros.

Os aviadores também têm, entre si, enorme taxa de camaradagem e solidariedade.

A aviação é um dos poucos campos da atividade humana em que geralmente não se aprende o decisivo com os próprios erros, mas com os alheios.

Todo aviador é corresponsável pela segurança de voo.

O que todo aviador deseja é que não haja mais tragédias. Para que todas as vítimas dos acidentes de aviação não tenham morrido em vão, os aviadores dependem das conclusões de investigações confiáveis, não de boatos, suposições, nem mesmo de notícias, mas da busca da verdade, nos limites do possível.

E como diria o poeta Fernando Pessoa: "a verdade, se é que existe, dir-se-á que ela consiste na procura da verdade".

Texto de :FLÁVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH (aviador e ministro aposentado do Superior Tribunal Militar).

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