20/01/2010

Aos poucos, EUA preparam ocupação de Porto Príncipe

Aos poucos, EUA preparam ocupação de Porto Príncipe



O comando ainda é do Brasil, mas quem tem mais homens em solo haitiano são os Estados Unidos.

Desde que desembarcaram em Porto Príncipe, a pedido do presidente René Préval, os americanos tomaram conta do espaço aéreo, das imediações do aeroporto e da segurança do governo que ainda tenta se reunir em meio aos escombros.

Nas ruas, no entanto, a realidade é outra. Milhares de haitianos carregam malas improvisadas sobre as cabeças orientados pelos soldados brasileiros da tropa de paz da ONU.

"A segurança ainda é nossa obrigação", afirma o capitão Ítalo Monsores, do grupamento de Fuzileiros Navais. "O resto está sendo engolido pelos americanos pouco a pouco".

Soldados americanos abastecem helicóptero com suprimentos

A população, ainda aturdida pela violência do terremoto que devastou a capital haitiana, tem plena consciência disso.

À porta da embaixada americana, um prédio forte que nada sofreu com o abalo sísmico de uma semana atrás, centenas de pessoas imploram por alimentos guardados no pátio externo do edifício.

Outra parte ainda tem esperança de ganhar um refúgio, concedido com parcimômia pelo governo americano.

"Só hoje consegui uma liberação deles", diz com um sorriso largo no rosto Jean-Marie Bertrand, que estava abrigada ao lado da pista de pouso do aeroporto até o começo da tarde.

Ela conta que até conseguir ser acolhida pelos americanos, ainda vasculhava pela filha desaparecida nos escombros de sua casa. "É o meu país, mas não consigo mais viver aqui".

Tropas numerosas

Na segunda-feira, o presidente americano Barack Obama anunciou que 10 mil homens estariam disponíveis para desembarcar em Porto Príncipe nas próximas horas.

A informação não é confirmada por nenhum membro do destacamento americano, mas parte desse número já estaria a bordo do porta-aviões USS Vison, que se encontra na costa da capital haitiana.

O contingente causa espanto aos militares brasileiros. Com o aumento no número de tropas, aprovado nesta terça-feira pelo Conselho de Segurança da ONU, o número de militares da tropa de paz no Haiti deverá crescer para 12 mil homens. Hoje, ele é de pouco mais de 9 mil.

"É só andar pelas ruas da cidade para ver que os americanos estão tomando conta de alguns pontos estratégicos", diz um diplomata brasileiro que desembarcou há poucos dias em Porto Príncipe. "Esse número é inadmissível até sob o ponto de vista logístico. Isso aqui não é o Iraque".

Ação agressiva dos EUA causa atrito com a ONU

Ocupação de aeroporto e forte presença americana no Haiti provocam críticas sobre falta de coordenação na distribuição de ajuda humanitária


Oficialmente, panos quentes. Nos bastidores, uma guerra.

A operação americana no Haiti causa mal-estar na ONU e a entidade é obrigada a declarar que o país ainda é "um Estado soberano".

Os EUA controlam o aeroporto, definiram quem tem o direito de pousar e já têm no país mais soldados do que a missão de paz da ONU.

Quase 70% do orçamento da ONU para o Haiti vêm de Washington e é a bandeira americana que está hasteada no aeroporto de Porto Príncipe.

Já a ONU, numa ofensiva midiática, tentou garantir ontem que a situação no Haiti está "sob controle".

A organização e o governo americano assinaram um acordo determinando a prioridade para pouso de aviões com alimentos e remédios. Agências ligadas à ONU e outros governos vinham criticando Washington por dar prioridade a aviões militares.

A ONU tentou ontem apagar a imagem de que há falta de coordenação. "Sem os EUA, não temos operação", afirmou Elizabeth Byrs, porta-voz da organização.

"Estamos trabalhando numa situação difícil. A coordenação humanitária é da ONU e todos reconhecem que ela tem o comando da operação. Mas a logística é americana e estamos trabalhando em cooperação. Graças a eles, a torre de controle do aeroporto funciona", disse Byrs.

Ela também negou que haja uma falta de coordenação entre forças da Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah), lideradas pelo Brasil, a polícia haitiana e as tropas americanas. "As autoridades francesas estão muito satisfeitas com essa cooperação", afirmou, em referência às críticas vindas de Paris.

Um dia antes, o ministro da Cooperação do presidente Nicolas Sarkozy, Alain Joyandet, protestou na ONU e exigiu que os EUA esclarecessem seu papel no Haiti. "Precisamos ajudar o Haiti, não ocupá-lo", disse.

A forma de trabalhar dos americanos deixou a cúpula da ONU irritada, já que estão atuando como se estivessem em um local em guerra.


A ação mais criticada foi a decisão americana de lançar alimentos de helicópteros em algumas regiões, como se o desembarque fosse perigoso. Para a ONU, a imagem que isso passa é a de que a ajuda internacional não tem coragem de ir ao encontro das vítimas.

Da parte do governo haitiano, a ordem dada foi a de que todo os seus diplomatas pelo mundo insistissem que o governo existe e não há conflito diante da presença militar americana. "Muita gente falou que o governo desapareceu.

Não é verdade. Claro, muitos funcionários de alto escalão foram vitimas, alguns morreram e alguns estão de luto. Mas governo existe", afirmou ao Estado o embaixador do Haiti na ONU, Jean Claude Pierre.

Sobre a bandeira americana que tremula no aeroporto da capital, Pierre tem uma explicação. "Isso foi um acordo entre nosso governo e os americanos.

Não temos Exército e precisamos de soldados", disse. "Seis mil delinquentes fugiram da prisão após do terremoto. Precisamos de ajuda e é isso que os EUA estão fazendo."



Fonte: Gustavo Gantois (iG) - Foto: AP/Jamil Chade, correspondente em Genebra - Estadão

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