BILHETE DA DISCÓRDIA
LIBERAÇÃO DE TARIFAS EM VOOS INTERNACIONAIS COLOCA ANAC E SNEA EM ROTA DE COLISÃO
Fonte:SNEA
POR ZANONI ANTUNES - DE BRASÍLIA
A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e as empresas aéreas travam desde o fim do ano uma queda-de-braço em torno da decisão de liberar os preços das passagens internacionais a partir de 1º de janeiro. O Snea (Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias) ganhou um mandado de segurança - negado em primeira instância - suspendendo a liberação tarifária. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) acatou o argumento apresentado pela entidade de que a Anac deveria ter realizado audiência pública, antes de fixar a liberação de preços. Pelas novas normas, as companhias estariam livres para aplicar descontos de 20% sobre esses valores a partir de janeiro; 50% a partir de abril; e 80% de julho em diante, até a liberdade total em janeiro de 2010. A disputa entre a agência reguladora e as companhias aéreas nacionais envolve, na opinião do presidente do Snea, José Márcio Mollo, muito mais do que uma política de liberação tarifária, mas a própria sobrevivência das empresas brasileiras, notadamente a TAM, única do setor a voar neste momento para os continentes americano e europeu. É a primeira vez desde a criação do DAC (Departamento de Aviação Civil), em 1931, que ocorre um embate direto envolvendo companhias aéreas e a autoridade reguladora.
O Snea recorreu à Justiça para contestar a nova regra por meio de um mandado de segurança. A liminar foi indeferida pelo juiz da 9a Vara Federal em Brasília (DF). A decisão levou o sindicato a recorrer ao TRF (Tribunal Regional Federal), alegando existir vício formal na elaboração da norma, em função da falta de prévia realização de audiência pública. O Tribunal Regional entendeu que a lei que criou a agência, em seu artigo 27, prevê a exigência de audiência pública para o caso de criação ou alteração de atos normativos que afetem direitos de agentes econômicos, inclusive de trabalhadores do setor ou de usuários de serviços aéreos. Com a decisão, a Anac encaminhou pedido de suspensão de segurança no STJ, alegando a ocorrência de grave lesão à ordem e à economia públicas, mas o STJ acabou confirmando o entendimento do Tribunal Regional e suspendeu a liberação tarifária até que se faça uma audiência pública como determina a lei. O sindicato das empresas aéreas acusa a atual diretoria da Anac de arrogância, prepotência e de querer enfiar goela abaixo decisões polêmicas que afetarão, de forma direta, a saúde financeira das companhias aéreas. "A audiência e a consulta pública são apenas pró-forma, a Anac decide e pronto; e não é só com relação às empresas, mas com qualquer reivindicação do setor aéreo", reclama Mollo.
O presidente José Márcio Mollo ressalva que as empresas não são contra a liberdade tarifária, até mesmo por entender que essa é uma tendência mundial, mas contesta a forma "açodada" com a qual a Anac vem conduzindo o assunto. "O que nós pedimos à Anac - e não fomos atendidos - foi um prazo maior para que as empresas, gradativamente, pudessem se preparar para a concorrência", afirma. A queda-de-braço entre as companhias e a Anac não se restringe aos tribunais. Desde o início do ano que a polêmica decolou do limite do judiciário e pousou na imprensa. José Márcio Mollo rebate a afirmação da presidente da agência reguladora, Solange Paiva Vieira, que, em entrevista a jornal paulista de grande circulação, disse que a TAM estaria entre as dez maiores empresas do mundo em nível de eficiência e rentabilidade operacional e que, portanto, em condições de enfrentar a concorrência de empresas americanas e européias. "A TAM está 26º lugar e com um faturamento muito abaixo de suas maiores concorrentes (ver quadro)", contesta o presidente do Snea. A presidente da Anac acredita que um desconto de 30% no preço mínimo estabelecido hoje, por exemplo, seria capaz de gerar um acréscimo de 1,5 milhão a 2 milhões de passageiros. Esse acréscimo, no seu entendimento, seria bom para o País, principalmente num período de crise, representando mais crescimento econômico, mais negócios e mais turismo. Solange Paiva considera muito grande a diferença entre os preços de bilhetes vendidos no Brasil e os vendidos no exterior, com variações de até 70%.
Para o especialista Respício António do Espírito Santo Jr, presidente do Cepta (Instituto Brasileiro de Estudos Estratégicos e de Políticas Públicas em Transporte Aéreo) , a decisão da agência reguladora vai acabar por prevalecer. "O "xis" da questão é que a decisão já está tomada", afirma Respício acrescentando que "a Justiça pode obrigar a realização de uma audiência pública, mas a decisão já está tomada". Segundo ele, o mundo - se não houver outro 11 de setembro - caminha para a liberação total "daqui a 20,30 anos". Mas Respício Espírito Santo ressalta que, se levarmos em conta o tempo que demorou a liberação das tarifas domésticas nos Estados Unidos, por exemplo, estaríamos falando de anos. "Só que a Anac quer fazer esta transição em um ano", compara Respício. A Anac, por sua vez, atribui a chiadeira das empresas ao fato de elas (as empresas) terem ficado muito tempo voando acomodadas com a falta de concorrência. Na opinião do consultor André Castellini, da Bain & Company, pode-se dar desconto, mas tem de haver um limite. Ele lembra que a carga fiscal lá fora é diferente da que existe no Brasil. "Tem de se tomar cuidado", recomenda. Castellini argumenta que há uma participação muito ativa dos governos, especialmente em relação às empresas americanas, que usufruem benefícios governamentais que as companhias aéreas brasileiras não possuem. "No Brasil, o setor é estratégico, por isso é importante que haja uma indústria nacional forte. Para isso, é preciso dar condições de competitividade", opina. Como exemplo, Castellini cita o faturamento anual da TAM, de cerca de US$ 4 bilhões, contra US$ 38 bilhões da Air France/KLM, US$ 31 bilhões da Lufthansa, US$ 23 bilhões da American Airlines, US$ 20 bilhões da United, US$ 19 bilhões da Delta e US$ 18 bilhões da British Airways. "No Brasil, a carga fiscal é mais alta e, comparada com a do Chile, chega a ser 15% maior", exemplifica.
A Anac, no entanto, não compartilha desses argumentos e defende uma liberação imediata. O diretor da agência, Ronaldo Seroa da Motta, disse que a liberação de preços em voos internacionais não requer audiência pública, pois "não é uma iniciativa" nem "uma alteração das normas", uma vez que a lei de criação da agência já determina a liberdade total de preços. Para Seroa, "a liberdade deveria estar em vigor desde que a Anac foi criada, em 2005". A justificativa para a conduta da agência no caso da liberação tarifária, segundo Respício Espírito Santo, do Cepta, está no decreto de sua criação, onde estaria o entendimento que ela precisa liberar tudo. "Mas isso é uma interpretação da direção, do colegiado da agência, em que a Anac tomou para si essa interpretação e, portanto, despreza a fase estruturada", afirma. O fato, segundo ele, é que o Brasil tem uma única empresa, a TAM, que bate de frente com quatro grandes norte-americanas e com uma série de européias (inclusive as que operam voos fretados). "O problema não é que elas são grandes, mas que existem em maior número", conclui o professor Respício Espírito Santo.
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